sem planejamento

Promotora acusa Sabesp de ignorar sinais de risco de desabastecimento na Cantareira

Alexandra Facciolli considera que empresa estadual e agências reguladoras estão ignorando alertas sobre riscos no sistema Cantareira e já há dois anos poderiam ter previsto problemas

Sabesp ainda retira mais água do que devia do sistema Cantareira e órgãos reguladores não atuam corretamente

São Paulo – A Sabesp tinha condições de prever a situação de desabastecimento no sistema Cantareira com até dois anos de antecedência, afirmou à RBA a promotora Alexandra Facciolli Martins, do Ministério Público Estadual em Piracicaba. Para isso, a companhia deveria ter observado a curva de aversão a risco, o sistema de monitoramento do nível das águas do reservatório, que abastece nove milhões de pessoas a Região Metropolitana de São Paulo. O instrumento indica os níveis de retirada seguros conforme a quantidade de água existente na represa.

A RBA mostrou que o nível do reservatório vem caindo continuamente desde maio do ano passado, o que demonstra que o risco de desabastecimento era, ao menos, perceptível. “Nós temos monitoramentos diários da situação. No próprio site da Sabesp tem um registro do nível dos reservatórios que é público. A gestão do sistema Cantareira tem sido feita com altíssimo risco”, disse Alexandra. Os parâmetros da curva de aversão a risco constam da outorga – documento de autorização – obtida pela companhia para explorar o sistema Cantareira, em 2004.

A promotora alerta que a medida de redução da retirada de água da Cantareira, iniciada na última segunda-feira (10), está em desacordo com as ações emergenciais estabelecidas no documento de outorga. Pela medida, a Sabesp passou a retirar 27,9 metros cúbicos por segundo (m³/s) de água da represa para a região metropolitana, contra 31 m³/s que retirava anteriormente. E mais 3m³/s para a região da bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, para onde iam 5m³/s.

Mas, de acordo com a curva de risco, deveria retirar bem menos. “Quando se deixou de considerar essa metodologia que estabelece, de acordo com o volume útil dos reservatórios, a obrigatoriedade de adotar determinadas ações e limitar a vazão de retirada, a redução acabou não acontecendo. A Sabesp continuou retirando muita água, apesar do esvaziamento crescente do reservatório”, disse Alexandra.

O documento de autorização indica que, pela situação atual, a companhia deveria retirar no máximo 24,8 m³/s de água por segundo para São Paulo. Inclusive, desde que o sistema bateu em 21,9% da capacidade, em 1º de fevereiro, o volume de água retirada para a Grande São Paulo não poderia ser superior a 25m³/s. Porém, até 10 de março, a retirada era de 31m³/s, chegando a picos de 33m³/s.

Um metro cúbico equivale mil litros de água. A diferença entre o que deveria sair e o que efetivamente sai é igual a 518 mil caixas de água de mil litros retiradas por dia da represa – o suficiente para abastecer uma cidade de 100 mil habitantes, segundo referência da própria companhia. Hoje (13) o nível do reservatório atingiu 15,6% da sua capacidade, o menor nível da história.

Também hoje, a companhia anunciou a redução da emissão de água para as cidades que compram o abastecimento. O volume repassado a esses municípios – caso de Guarulhos e São Caetano do Sul, por exemplo – ficará 15,5% menor nos próximos dias. A medida afetará 1,4 milhão de pessoas.

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Porém, Alexandra destacou que não se pode culpar somente a Sabesp pela situação. Para ela, os órgão gestores – Agência Nacional de Águas (Ana), federal, e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), estadual – deveriam ter sido mais rigorosos com as normas. “A Sabesp tem feito o que tem sido autorizado. A responsabilidade sobre o gerenciamento dos recursos hídricos é dos órgãos gestores. São eles que definem o quanto pode ser retirado de água, por exemplo, para garantir o funcionamento adequado do reservatório.”

A promotora criticou o fato de as ações técnicas, que deveriam inclusive já ter determinado o racionamento, estarem sendo superadas pelas decisões de cunho político. A ação de retirar água do chamado volume morto, nível que não é alcançado pelo sistema de sucção atual, demonstra uma visão imediatista sobre o problema, que pode levar muitos anos para ser resolvido, caso as chuvas não voltem aos patamares adequados nos próximos meses.

O custo de instalação das bombas para captar o volume morto será de R$ 80 milhões e os equipamentos devem começar a funcionar em junho deste ano. “Se a flexibilização de regras e as decisões políticas continuarem se sobrepondo às decisões técnicas necessárias isso vai acirrar a situação de desabastecimento e causar prejuízos de grande monta para todas as regiões envolvidas”, alertou, lembrando que o período de estiagem começa só em abril.

Esse prejuízo pode ser maior para a região do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Consórcio PCJ), que reúne 43 cidades, e tem recebido tratamento diferenciado nas resoluções das agências.

Segundo Alexandra, a região demanda que seja enviado maior volume de água desde 2004. Na outorga foram autorizados até 5m³/s. Mas sempre foram enviados 7m³/s. “Ou seja, sempre houve um déficit sobre o que estava autorizado e o que era realmente necessário para atendimento aos municípios da Bacia PCJ”, denuncia a promotora.

Agência Nacional de Águas e Daee definiram, na resolução 335 (sobre o volume de água a ser retirado da represa), que a bacia PCJ receba somente 3m³/s. E que não seja autorizada nenhuma nova captação de água superficial ou no subsolo da região. Mas essa determinação não foi dada à região metropolitana. “Isso demonstra que não tem havido um tratamento paritário das duas regiões.”

Com isso indústrias, empresas ou empreendimentos que demandem concessões para utilização de maiores volumes de água ficam impossibilitadas de atuar até nova determinação das agências na região da bacia PCJ.

“Não é só o abastecimento da população. Está em jogo também a economia da região, que é responsável por 25% do Produto Interno Bruto do estado. Se esta é uma decisão técnica necessária, deve ser imposta. Não questiono isso. Mas, se isso foi imposto à bacia PCJ, obviamente ela deveria ter sido aplicada à bacia do Alto Tietê. Por que tratar diferente as duas bacias? Por que restringir somente a PCJ?”

Entre os municípios afetados estão Americana, Amparo, Araras, Bragança Paulista, Campinas, Cordeirópolis, Limeira, Jaguariúna, Extrema, Mogi Mirim, Cosmópolis, Nova Odessa, Paulínia, Piracaia, Valinhos, Vinhedo e Jundiaí. Muitas delas já sofrem medidas de racionamento, diferente do que ocorre da capital paulista, onde o governador Geraldo Alckmin não admite, publicamente, a possibilidade de cortes.

“Qual o motivo dessa resistência? Qual o motivo de se maquiar a situação ou dar uma roupagem diferente a uma demanda necessária? Principalmente se isso é necessário para evitar uma catástrofe até outubro. Por que tanta cautela em se adotar uma posição, se for essa a medida técnica necessária?”, questionou a promotora.

Porém, o Ministério Público ainda não pretende acionar judicialmente a Sabesp. “Nós estamos tentando esgotar as medidas administrativas. Reivindicando, apelando, insistindo aos órgão gestores para que tomem as medidas técnicas imediatas para realizar uma gestão adequada do sistema Cantareira”, concluiu Alexandra.

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