Memória

Ato no Rio lembra os 50 anos do Comício da Central do Brasil

Presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro observa que legado de autoritarismo do regime militar ainda persiste na democracia

Damous, da Comissão da Verdade RJ: 'País seria outro com as reformas' <span>(Paulo de Tarso/RBA)</span>Gerações que presenciaram a conjuntura brasileira dias antes do golpe que derrubaria Jango estavam no ato <span>(Paulo de Tarso/RBA)</span>Atos serve para lembrar que a ditadura, 50 anos depois, deixou marcas para as gerações futuras <span>(Paulo de Tarso/RBA)</span>Deputada Jandira Feghalli (PCdoB-RJ): "direita" está afoita <span>(Paulo de Tarso/RBA)</span>Manifestante manda recado aos que querem outro golpe <span>(Paulo de Tarso/RBA)</span>

São Paulo – Uma manifestação em frente à estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, lembrou ontem (13) os 50 anos do Comício pelas Reformas, convocado pelo então presidente João Goulart e apoiada organizada por movimentos como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).

O comício foi uma proposta do próprio Jango como forma de pressionar o Congresso Nacional a aprovar as chamadas Reformas de Base: agrária, eleitoral, educacional, política, entre outras. O ato de ontem, convocado por algumas centrais sindicais e organizações sociais aconteceu nesta quinta-feira (13), foi marcado pelo questionamento: como estaria o Brasil atualmente se, duas semanas depois, em 1º de abril de 1964, Jango não tivesse sido
deposto por conta do golpe.

“Eu soltei na Candelária e vim caminhando para a Central e me lembro, até hoje, das tochas que os petroleiros carregavam. Foi uma das mobilizações mais bonitas que eu já vi, mais até que as manifestações de 68 e as do ano passado. Não poderia deixar de vir para este ato, 50 anos depois, porque o saudosismo falou mais alto”, disse Cid Nelson, que tinha apenas 15 anos no comício de 64. No ato de ontem, a reforma mais lembrada como necessária foi a reforma política.

A atividade foi também um contraponto às manifestações pró-golpe que têm circulado sobretudo em redes sociais, celebrando a ditadura instalada em 1964 e pedindo nova intervenção militar. Uma delas convoca para o próximo dia 22 uma “marcha da família”, nos moldes da que foi promovida pela elite paulista há 50 anos em São Paulo para respaldar a derrubada de Jango pelos militares, com apoio de empresários e do do governo dos Estados Unidos.

O presidente da Comissão Estadual da Verdade, Wadih Damous, afirmou em seu discurso que é necessário lidar com o legado que a ditadura deixou na sociedade: “Os torturados e assassinos continuam impunes. A violência policial é consequência disso. Nós temos que nos perguntar onde está Rubens Paiva, Mário Alves, Stuart Angel, mas também onde está Amarildo. Essas barbaridades, como os desaparecimentos, continuam acontecendo em plena democracia. Esse é um ato para refletirmos sobre essas questões”, destacou Damous, referindo-se aos pedreiro desaparecido depois de ter sido detido por policiais militares, descrevendo traços do autoritarismo golpista presentes ainda hoje nos sistemas de segurança pública. “Esse é o legado que continua mesmo em tempo de democracia e que temos de mudar.”

A deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB-RJ) reafirmou a necessidade de não permitir espaços para a “direita” que se organiza contra o governo Dilma, articulando manifestações tais como a “marcha da família”.

Direito à verdade

Em 13 de março de 1964, João Goulart discursou para uma multidão que o apoiava na tentativa de promover reformas que tocavam da questão agrária ao controle estatal das refinarias de petróleo, passando por projetos de ensino público e limitação de remessas de lucros por multinacionais aos seus países de origem. Dizia Jango: “O povo quer que se amplie a democracia e que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja acessível a todos; (…) que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais (…) Chegou-se a proclamar, até, que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático (…) A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, anti-sindicato, anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam”.

Para João Vicente Goulart, filho de Jango, que esteve presente ao ato desta quinta-feira, o Brasil ainda está nas mesmas condições que a 50 anos atrás: “O país ainda está distante das aspirações que o meu pai queria para o país. As reformas dariam oportunidades idênticas a todos e isso nos mostra que é preciso reformar o Estado para avançarmos nas áreas social, econômica e política. Não poderia deixar de vir e estar aqui com os trabalhadores, sindicatos e organizações estudantis. Tenho esperança em que as novas gerações possam, inspiradas nas raízes de nossa história, avançar e modificar o modelo social, econômico e político do país”, disse ele, que no comício de 64 tinha apenas 7 anos de idade.

O Brasil de 2014 já tem instaladas as comissões da verdade, a nacional e diversas estaduais, municipais e, até mesmo, de categorias, que investigam os crimes perpetrados contra os direito humanos. É neste momento que se discute, ainda o legado perverso da ditadura.

Com colaboração de Renata Cerqueira e Paulo de Tarso

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