ecos do deserto

Aniversário do golpe resgatou memória, diz advogada que derrubou privilégios de Pinochet

Para Carmen Hertz, população chilena não aceita mais as versões dadas pela ditadura do país

Arquivo Pessoal

Carmen diz que a condenação de responsáveis por violações de direitos humanos foi parte da consciência coletiva

Santiago – O nome de Carmen Hertz é reconhecido em quase todo o mundo quando o assunto é direitos humanos. Em maio de 2000, a advogada chilena derrubou o foro privilegiado do então senador vitalício Augusto Pinochet e colocou o ex-ditador no banco dos réus pela primeira vez, pelo caso Caravana da Morte.

Carmen Hertz também é conhecida pelos 35 anos em que luta por justiça no caso da morte de seu marido, o jornalista Carlos Berger, fuzilado por uma comitiva do exército chileno, junto a outros 25 representantes regionais do governo deposto de Salvador Allende, na cidade de Calama (extremo norte do Chile), em outubro de 1973.

História que se transformou em sucesso na televisão, em setembro passado, quando o Chile assistiu diversos eventos e especiais jornalísticos a respeito dos 40 anos do golpe de estado de Pinochet. Interpretada pelas atrizes María Gracia Omegna (na juventude) e Aline Kuppenheim (na fase adulta), a personagem de Carmen Hertz protagonizou o programa de maior audiência durante esses dias, a minissérie Ecos do Deserto, dirigida por Andrés Wood (o mesmo de Machuca), que retratou a Caravana da Morte desde sua execução até o processo judicial.

O último capítulo da série, transmitido no mesmo dia 11 de setembro (aniversário do golpe), foi recorde de audiência da televisão chilena, com mais de 50 pontos. Segundo Carmen, esse foi apenas um dos exemplos do que ela chamou de “explosão de memória” que foi vivida pelo país em 2013, devido às celebrações.

“De repente, o país inteiro acordou e descobriu que aquilo que antes era motivo de controvérsia, já não era. Surgiram relatos inéditos e imagens de canais estrangeiros que os chilenos nunca tinham visto, que jogam por terra os argumentos dos que ainda negam que a nossa foi uma das ditaduras mais brutais da história”, relembra a advogada.

Além da minissérie Ecos do Deserto, o Chile assistiu outros importantes especiais sobre o golpe de 1973, produzidos para o aniversário de 40 anos do mesmo. Entre eles estão documentários jornalísticos, como Os 1000 Dias, que reconstruiu todos os três anos de mandato de Salvador Allende até o dia do golpe, e Chile, As Imagens Proibidas, que mostrou cenas realizadas por correspondentes estrangeiros durante a ditadura, muitas inéditas no país. A outra produção dramática foi a série Arquivos do Cardeal, contando os casos de tortura e desaparecimento investigados pela Vigaria da Solidariedade, transmitido pelo canal estatal TVN, e que recentemente estreou sua segunda temporada.

Carmen também acredita que a condenação de alguns dos responsáveis pelas violações de direitos humanos ajudou nessa tomada de consciência coletiva. “Não tivemos todas as vitórias judiciais que queríamos, mas as que conseguimos foram significativas”, agrega ela.

O caso Caravana da Morte exemplifica bem o tratamento que a Justiça chilena deu aos crimes da ditadura. Antes da volta da democracia, os casos eram restritos à Justiça Militar, que os ignorava. Somente nos anos 90 chegou à Corte de Apelações (primeira instância), mas tinha como barreira a inimputabilidade de Pinochet. Somente depois da detenção do ditador em Londres, a pedido do juiz espanhol Baltazar Garzón (que investigava casos de espanhóis que foram vítimas do regime), a Justiça Chilena também decidiu tornar inválidos os seus privilégios.

Ainda assim, as primeiras sentenças do caso foram declaradas no ano de 2005, enquanto o líder operacional da missão, o general Sergio Arellano Stark, foi condenado somente em novembro de 2008 – dois anos depois da morte do ditador Augusto Pinochet, acusado como mentor intelectual da operação.

Carmen Hertz lamenta, por outro lado, a impunidade dos civis que participaram da ditadura. Todos os 276 agentes do estado condenados desde 1994 ou eram militares ou trabalhavam em serviços menores para os organismos de inteligência. Nenhum civil com cargo de importância foi levado à Justiça. Segundo ela, essa foi uma dívida tão grande quanto a falta de condenação a Pinochet.

“O que houve no Chile, depois do golpe de 1973, foi uma política de extermínio. Toda a esquerda chilena foi perseguida. Essa política foi executada pelos militares, mas planejada também pelos civis, que foram os principais beneficiados. Eles participaram do governo e estão envolvidos nos crimes. Quando a festa acabou, esconderam essa cumplicidade, para que a culpa fosse exclusiva dos militares”, segundo Carmen.

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