De Braços Abertos à holandesa

Comitiva da prefeitura de SP vê política holandesa de salas para uso de drogas como positiva

Secretários estiveram no país europeu semana passada. Para eles, debate está aberto, mas depende de mudanças na legislação nacional

Reginaldo Castro/Folhapres

Na Holanda, desde 1976, há salas monitoradas em que usuários podem usar drogas fornecidas pelo Estado

São Paulo – Uma comitiva de secretários que coordenam o programa De Braços Abertos, voltado para usuários de crack da região da Luz, no centro de São Paulo, se impressionou positivamente com a experiência holandesa de salas seguras para o uso de drogas. Eles estiveram na semana passada no país europeu que, há 20 anos, utiliza essa e outras estratégias de redução de danos para usuários de heroína. Para o secretário de segurança urbana, Roberto Porto, uma das vantagens desses espaços é a separação física de usuários e traficantes. Esse tipo de equipamento, no entanto, ainda não tem previsão legal no Brasil.

“Obviamente, serve de exemplo para nós. Porque nas regiões onde temos o crack, não temos ainda essa distinção. O traficante está misturado com o usuário e isso dificulta nosso trabalho. Eles conseguiram tratar bem esses dois polos. Um que é tratado pela saúde, pela assistência, e outro pela atividade policial”, afirmou Porto durante coletiva de imprensa na manhã de hoje (26). “É algo que nossa legislação talvez nem permita, mas uma visita como essa abre o debate. Isso não é feito somente pela prefeitura, mas no âmbito nacional discute-se a mudança na legislação para a criação de salas seguras”, disse.

Desde o dia 15 de janeiro, a prefeitura desenvolve o programa De Braços Abertos na região conhecida como cracolândia. Usuários que viviam em uma favela montada nas ruas Helvetia e Dino Bueno foram levados para hotéis na região, empregados em equipes de varrição e recebem atendimento social, psicológico e de saúde.

Na Holanda, desde 1976, há dois tipos de salas, uma em que os usuários levam a própria droga e outra em que o Estado fornece o entorpecente. Em ambos os casos, há testes em relação à qualidade e o usuário só pode usar uma dose considerada segura. Os ambientes são monitorados por equipes médicas e de assistência. Com isso, o uso de drogas na rua é proibido e o tráfico, criminalizado.

Para o embaixador do país no Brasil, Kees Rade, as salas são um aspecto fundamental do sucesso da política holandesa. “O problema que a cidade de São Paulo tem com um grupo de pessoas usuárias de drogas – não em um lugar fixo, mas se movendo pela cidade – nós conhecemos há 45 anos. E hoje não temos mais. Logramos encontrar políticas para solucionar, enfatizando o aspecto ilegal das drogas, mas também o aspecto da saúde e social, oferecendo aos drogadictos um ambiente seguro”.

“O índice de criminalidade diminuiu muito. Isso é importante, porque você tem dois vieses”, apontou a secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana Temer. “Tem o do usuário – e é preciso que o Estado olhe e cuide desse usuário – e tem a sociedade como um todo, que também precisa ser cuidada e o espaço público que precisa ser cuidado. Foi a conjugação dessas preocupações que possibilitou o êxito da política holandesa”, destacou.

Apesar do entusiamo demonstrado, os secretários enfatizaram que qualquer mudança em relação à nossa legislação deve ser feita pelo poder legislativo federal.

“Não dá para transplantar assim as salas seguras de lá para cá. Por isso é um debate do legislativo. Na Holanda, não tem salas seguras para outros tipos de drogas. Fazer analogia entre sala segura e crack é um pouco difícil. O que a gente precisa enfatizar é a separação do usuário e do traficante e o monitoramento máximo possível dos usuários”, avaliou o secretário de Relações Internacionais, Leonardo Barchini.

Porto observou que essa separação evitaria intervenções policiais, como a que levou à prisão do rapper Kawex, na segunda-feira (24). Policiais Militares entraram no “fluxo” – como é conhecida a aglomeração de usuários e traficantes na Luz – para prender um suposto traficante, o que causou tumulto entre os dependentes. Um policial dirigiu palavras chulas a uma mulher e quando Kawex tentou defendê-la, foi levado para a delegacia por desacato, sendo liberado em seguida. “Ainda há muita promiscuidade. Muita mistura de usuários e traficantes. Ali tem que ser um espaço sagrado do tratamento de saúde”, comentou.

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