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‘No parque não tem muvuca e a polícia não bate’, dizem rolezeiros

Mais de 3 mil adolescentes haviam confirmado presença pelo Facebook, mas cerca de 50 apareceram no Ibirapuera para ver e ser vistos pela rapaziada. E ganhar curtidas no Facebook

Reprodução

Kaiquem (à esquerda): “É pra isso que serve o rolezinho: pra se mostrar um pouco, pegar as minas”

São Paulo – “Desde quando é notícia jovens usarem a internet para marcar encontros no parque?”, questiona um jornalista para si mesmo e alguns colegas que esperam para ver se alguma coisa acontece. Estão todos um pouco decepcionados. São 14h30, meia hora além da combinada para o rolezinho no Parque Ibirapuera, zona sul de São Paulo. Mais de 3 mil pessoas haviam confirmado presença no evento pelo Facebook. E ainda nada.

O descontentamento seria pior, porém, se o ponto de encontro fosse outro. Felizmente, os adolescentes combinaram de se reunir na “aranha gigante”, uma escultura do Museu de Arte Moderna (MAM) que fica atrás de uma vidraça e, graças a deus, embaixo da enorme marquise que protege a todos do sol inclemente.

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Por enquanto, tudo normal: gente de todas as idades andando de skate e patins, a feirinha semanal de artesanato, vendedores ambulantes, casais passeando de mãos dadas, crianças brincando. Há uma semana, um rolezinho no Shopping Itaquera, na zona leste, acabara em repressão policial, com direito a cassetetes e gás lacrimogêneo.

Como resultado, as redes sociais bombaram com discussões sobre racismo, consumismo, funk-ostentação e desigualdade social na maior cidade do país. Os encontros organizados por adolescentes da periferia foram assunto da semana. Por isso, a imprensa compareceu em peso ontem (18) ao Ibirapuera. Mais de 20 profissionais do rádio, TV, jornais e internet começaram a perambular pelas redondezas da “aranha gigante” bem antes do primeiro rolezeiro aparecer.

“Será que desistiram?”, especulávamos. “Talvez o tumulto do final de semana passado tenha assustado a rapaziada…” Por volta das 15h, porém, surgiriam ao longe alguns rapazes de óculos escuros, bonés e roupas coloridas, todos bem vestidos, alguns com roupas de marca. “Devem ser eles.” Pouco a pouco, algumas garotas também se aproximariam, e o que até então se anunciava como um inusitado rolezinho de jornalistas começou a ganhar a adesão de seus verdadeiros protagonistas.

O encontro só começou oficialmente quando o organizador do rolé, um jovem de 17 anos conhecido como Alemão Stifler, deu as caras, com boné azul, tênis importado, camiseta branca e olhos amendoados, mais três camaradas a tiracolo. Não seria um sábado perdido. A presença do “líder” é a senha para que os repórteres deixem as queixas de lado e comecem a trabalhar.

“Aqui não tem como acontecer aquela bagunça que aconteceu no shopping. É um lugar público, e não dá para lotar um parque deste tamanho. Shopping é pequeno e acaba fazendo muvuca. Daí pode rolar assalto e tal”, explica Alemão, que na realidade se chama Plínio Camilo Diniz. “No parque a gente pode ficar andando, ir pra lá e pra cá. Não tem como a polícia jogar bomba.”

Morador do Campo Limpo, na zona sul, Alemão explica que seu sobrenome adotivo – Stifler – tem relação com uma das suas atividades preferidas: pegar a mulherada. Não está sozinho na missão. O jovem conta que teve a ideia de organizar o rolezinho no Ibirapuera junto com seu primo, Gabriel Vitor, 16 anos.

Mais baixinho e franzino, Gabriel não gagueja na hora de responder por que decidiram convocar a galera para o parque. “A gente quer ficar mais conhecido lá no bairro, ganhar curtidas no Facebook e conseguir mais seguidores. É legal, né?”, conta. “Assim a gente acaba tendo um pouco de fama.”

Ficar famosinho nas redes sociais, ninguém esconde, é uma maneira de chamar a atenção das meninas. “Quanto mais seguidores você tem, mais menina você conhece pela internet. Depois, é só combinar de se ver pessoalmente e trocar uma ideia. Daí você acaba ficando.”

Como os bairros de periferia possuem poucas opções de lazer, parques escassos e centros culturais mais ainda, os shoppings acabam sendo palco alternativo para as amizades de Facebook desvirtualizarem suas relações.

“Lá, tomamos um sorvete, comemos um lanche, jogamos uns fliperamas e assitimos a uns filmes. E pegamos as minas”, continua Gabriel, que costuma frequentar o Shopping Campo Limpo, mais próximo da sua quebrada. “Aqui no parque o ojetivo é o mesmo: conhecer pessoas novas e ver as meninas, enfim, se divertir.”

Poucos famosinhos entre a meninada da zona sul apareceram hoje no Ibirapuera. Aliás, a comparecência foi pequena mesmo entre os anônimos do Facebook. Dos 3 mil que haviam anunciado pelas redes sociais que iriam ao parque, cerca de 50 realmente circularam pelos arredores da “aranha gigante”.

Entre as meninas, todas também cheias de interesse, o garoto mais esperado era Vinícius Andrade, que ganhou popularidade on-line porque publica uns vídeos engraçados. Os jovens assistem, gostam, dão um “like” e passam a seguir suas postagens.

“A gente vem para vê-los e tirar foto com eles”, explica Camila de Souza, 14 anos, que foi ao Ibirapuera com mais duas amigas do Capão Redondo, bairro da zona sul. “Tem menina que chora e dá presente. Mas a gente nunca chorou nem deu presente.”

Enquanto Camila conversava comigo, suas amigas, que prestavam atenção no papo, se agitaram repentinamente. “Ai, é ele! É o Vinícius Andrade!”, cochicharam, dando pequenos gritinhos de histeria contida. Camila se desconcentrou. Todos olhamos para trás. “Ah, não é… É só um cara parecido”, suspiram.

Vinícius demoraria horas para presentear as garotas com seu rostinho bonito no Ibirapuera. Veio tarde, depois que a maioria dos repórteres ter ido embora. Todos ansiavam por sua chegada. Alguns ligaram várias vezes para a estrela juvenil do Facebook querendo saber se viria, se não viria, se conseguiriam presenciar momentos de uma tietagem até então desconhecida para a maioria de nós.

Na tentativa de entender até onde vai o amor pelos jovens com alta popularidade nas redes sociais, eu pergunto se preferem os famosinhos do Facebook ou os famosinhos da tevê. “Claaaaaaro que preferimos o Caio Castro, né”, respondem, fazendo referência ao ator da Globo. “Mas infelizmente eles não fazem rolezinho.” Se eles fizessem, vocês iam? “Lóóóóóóógico, né. Não perderíamos um.”

A predilação das garotas pelos famosinhos incomoda os meninos que ainda não conseguiram tanta notoriedade no Facebook. Por uma razão bem simples. “Tenho só 4 mil seguidores”, confessa Alex Devesa, 16 anos, morador do Capão Redondo. “Estamos aqui querendo dar uns beijos e as minas ficam pagando pau pros caras, se matando, chorando, correndo atrás. Aí dificulta pra nós.”

Mas há quem consiga driblar a baixa popularidade com boas doses de desinibição. Um grupo de jovens de Embu das Artes, cidade da região metropolitana de São Paulo, chamou a atenção de todos ao chegar batendo palma, cantando funk e remexendo o quadril.

Tiraram as camisetas, flexionaram as penas e requebraram um passinho que batizaram como “frevo”. Até cansar. Depois saíram de lado, sorrindo, esperando as meninas se aproximarem para uma, duas, três, várias fotos. A profusão de câmeras ajuda na empolgação. “Vamos sair na televisão, tio!”, comemoram, satisfeitos.

“A gente faz vídeo dessas danças”, adianta Kaique Bastos, um jovem alto e corpulento de 15 anos, calças brancas e camiseta verde, que chegou no rolezinho com a trupe de dançarinos. “Somos os Canalha’s FM. Dançamos pra chamar a atenção das minas – e de vocês da imprensa também. É pra isso que serve o rolezinho: pra se mostrar um pouco, pegar as minas. Só mostrar quem a gente é.”

Presença constante no Ibirapuera, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) ficou de olho o tempo todo, mas não precisou agir. Tampouco foi hostil aos jovens. “Reforçamos um pouco o efetivo apenas para monitorar, porque é um movimento legítimo, o parque é público e não há nenhum problema para que eles acessem o espaço”, explica o inspetor Franco, que coordenou os guardas naquela tarde. “Nossa função aqui é muito mais impedir aproveitadores se infiltrem e desviem o foco do movimento.”

Depois de duas horas, o rolezinho do Ibirapuera foi esvaziando. O inspetor Franco tinha certeza que bastaria os profissionais de imprensa irem embora para que a molecada começasse a se dispersar. Felizmente, os cães da GCM não precisariam ser usados. Nem as motos. “Está tudo tranquilo.”

Às 17h30, não era mais possível avistar Alemão Stifler, o organizador do rolezinho. Pouco antes de sumir, ele havia me dito que daria um rolé pelo parque, para além dos limites da “aranha gigante”. “Aqui tem pouca mina.”

Até o momento, muitas fotos haviam sido tiradas e muitos olhares, trocados. Mas ninguém tinha beijado ninguém. “Tem gente ficando, sim”, confirma Kelly Nunes, 15 anos, moradora do Jardim Capela, na zona sul. “Mas, como aqui tem muita câmera, o pessoal foi atrás das árvores. Ninguém quer aparecer na televisão beijando.”

Depois de tanta atenção midiática, uma das atrações do rolezinho no Ibirapuera, senti que os repórteres estávamos atrapalhando a missão da molecada. Bastou perguntar para obter a confirmação. “Siiim!”, sorri Kelly, em coro com sua amiga, Jéssica Nayara, também de 15 anos. “Mas a gente entende o trabalho de vocês.”

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