Braços abertos

Secretários monitoram ‘cracolândia’ e se surpreendem com aceitação ao programa

Prefeitura providencia café e doces para diminuir ansiedade de usuários de crack; segunda etapa terá maior rigor quanto ao trabalho e também mais opções de lazer

João Luiz/Secom

Trabalhadores fazem varrição de ruas e zeladoria de praças na região da Luz

São Paulo – Os secretários do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), estão otimistas com os resultados da primeira semana das ações do programa Braços Abertos, que oferece moradia, alimentação, trabalho e acompanhamento de saúde aos dependentes químicos da chamada cracolândia, no bairro da Luz, região central da cidade. Eles têm feito visitas diárias para acompanhar o andamento das ações e disseram que a gestão havia se preparado para problemas muito mais complexos que os efetivamente encontrados.

Na manhã de hoje (22), a reportagem da RBA encontrou os secretários da Segurança Urbana, Roberto Porto, da Assistência Social, Luciana Temer, e o adjunto de Trabalho, José Alexandre Sanches, na tenda que serve como base para o programa, na rua Helvétia. Ontem, Rogério Sottili, dos Direitos Humanos, também esteve no local.

Porto explica que pequenas adequações têm sido feitas, mas o resultado é mais positivo do que o esperado. “Algumas pessoas simplesmente deixaram de usar crack por conta do trabalho. É claro que isso não é uma solução, por que o vício é mais complexo que isso, mas é significativo. Eles pediram para ter café e doces nas atividades, para combater a ansiedade, e já providenciamos”, disse.

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Para Sanches, o programa tem melhorado a cada dia. “Os problemas foram menores que o esperado. Mesmo assim, o processo para superar uma condição desumana e recuperar a autoestima é longo. Mas a adesão e a participação até aqui têm demonstrado que estamos em um bom caminho”, afirmou. Entre os problemas estão pequenas brigas entre participantes, algumas ausências e crises de abstinência.

Ailton Magal Silva, proprietário de um hotel na esquina da rua Helvétia com a alameda Dino Bueno, concorda com o secretário. “Desde às 8h não tem mais ninguém do programa no hotel. Não tivemos nenhum problema grave, nada que afete a confiança no trabalho. As pessoas estão acreditando mesmo que é uma chance de sair dessa vida na droga”, afirmou.

No hotel Avaré, uma assistente social da prefeitura perguntava se estava tudo bem, se precisava de alguma material extra para limpeza, enquanto conferia a lista de frequência dos 24 beneficiários que foram instalados ali. “Tem sido muito tranquilo. E a prefeitura tem dado todo o apoio, passam aqui várias vezes por dia para saber como estão as coisas”, disse um funcionário, que pediu para não ser identificado.

As ruas da região estão calmas e há pouco movimento de dependentes químicos não atendidos pelo programa. Os trabalhadores circulam uniformizados, independentemente de estar em horário de serviço. Na tenda de atendimento do programa eles ainda têm espaço para relaxar, jogar ping-pong, assistir televisão, ler ou desenhar.

O chamado “fluxo”, local de tráfico de drogas, está concentrado na alameda Barão de Piracicaba, ao lado do santuário Sagrado Coração de Jesus. Há viaturas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e da Polícia Militar espalhadas na região, mas não de forma ostensiva.

Segunda fase

O secretário adjunto do trabalho já prepara a segunda fase das ações, que devem ter início na próxima segunda. “Vamos ser mais rigorosos. O programa não é somente assistência social, é de trabalho. Então tem de participar das ações, cumprir os horários. Quem precisar de ajuda será atendido, mas não podemos ser permissivos”, explicou Sanches.

Apesar do acompanhamento, a coordenação do programa ainda não tem dados precisos sobre o número de atendimentos de saúde ou de presença no trabalho, por exemplo.

Os coordenadores dos 10 grupos de trabalho possuem uma lista de frequência dos participantes do programa. São eles que convocam as pessoas nos hotéis. A partir de segunda, eles deverão também fazer um acompanhamento das potencialidades, dificuldades e problemas de cada um.

“Assim poderemos identificar as habilidades, profissões que eles já tenham e abrir cursos de capacitação por afinidade”, completa Sanches. Até que esta fase esteja implementada, ele pretende visitar o local todos os dias.

Essas capacitações ainda não foram iniciadas e os beneficiários do programa têm participado de dinâmicas de grupo e atividades de integração no horário oposto ao de trabalho. Outras ações devem começar a ser implementadas em breve, como atividades culturais e esportivas aos finais de semana. Sanches disse já ter solicitado o funcionamento do restaurante bom prato, onde os atendidos fazem suas refeições, também aos sábados e domingos.

Muitos beneficiários têm aproveitado que ainda não há obrigatoriedade nas atividades extras para fazer um segundo turno de trabalho e levantar mais um dinheirinho.

Passeio e doce

É o caso de Vandeilda Benedito da Silva, a Vanda, que já teve sua história contada pela RBA em outras reportagens. Ela e o companheiro Renato Pereira, o Tim, transportavam uma carroça carregada de um estabelecimento para outro na região da Luz, a pedido de um comerciante.

“A gente vai trabalhando por que sabe que o programa é muito bom, mas não é para sempre. Quero me organizar e arrumar o meu canto”, afirmou. Vanda está empolgada com o programa e sequer projeta para o futuro o sucesso esperado. “O programa está dando certo, não é uma expectativa, é realidade”.

Ela espera ansiosa o primeiro pagamento, que será feito na sexta-feira (24), no valor de R$ 105, para os quais tem planos bem definidos.

“Vou levar meu filho, que vive com minha mãe, para passear e comer um doce. E quero visitar meus outros filhos que estão em um abrigo”, afirmou. O valor do primeiro pagamento contemplará os dias trabalhados entre 15 e 24 de janeiro.

Outro que já sabe o que fazer com o primeiro salário é o serralheiro João Carlos Gomes Aguiar, o Carlinhos, de 28 anos.

“Eu faço uns raps e quero registrar minhas músicas. Perdi um pendrive com várias músicas gravadas aqui no espaço social e não quero perder o meu trabalho”, afirmou ele, que já foi ao cartório saber como deve proceder para registrar as canções.

Carlinhos relata com orgulho que está há três dias sem usar crack. “E não quero mais saber disso. É só desgraça na vida das pessoas”.

O serralheiro, casado, pai de três filhos, sonha voltar para a família e tem se ocupado o máximo possível. “Acaba o trabalho e eu continuo aqui no espaço, vendo se posso fazer mais alguma coisa. Não quero deixar a mente vazia”, afirmou.

Já Rubens Golçalves Maia, de 34 anos, não vê a hora de começarem os cursos profissionalizantes. “Quero muito ser azulegista. Não falta trabalho e é bonito de fazer, ver um piso, uma parede assim certinha”.

Maia saía do restaurante Bom Prato elogiando a comida, assim como o quarto do hotel. Ele disse estar nas ruas há 12 anos, mas agora vê uma perspectiva real de “se acertar”. “Eu não usei mais a maldita pedra desde que comecei o trabalho. Não podia estar melhor”.

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