Remoção

Hotéis e prefeitura de SP devem fechar acordo hoje para remoção de favela na ‘cracolândia’

Além de transferência para hospedarias, dependentes terão comida e emprego, segundo promessa do prefeito Fernando Haddad

Ana Lúcia divide barraco com mais duas pessoas <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Barracos foram erguidos ao longo da rua Dino Bueno <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Quarto deve ser alugado para prefeitura por 30 meses <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Zilton dos Santos quer manter sua carroça <span></span>Àrea comum no hotel visitado pela RBA <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Moradores foram cadastrados e barracos marcados <span></span>Artistas se expressam nas paredes de madeiriti <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>

São Paulo Donos de hotéis na região conhecida como cracolândia, no bairro da Luz, em São Paulo, afirmam que devem fechar hoje (14) com a prefeitura um acordo para abrigar, nesses estabelecimentos, os moradores que serão removidos ainda esta semana da favela que se instalou há três meses na rua Dino Bueno.

Um dos empresários ouvidos pela RBA, que prefere não se identificar, diz que os contratos devem durar 30 meses e que a prefeitura irá indicar os hóspedes. Em média, os hotéis da região cobram diária de R$ 50 pelo quarto de casal com banheiro e R$ 30 por pessoa em quartos com cama de solteiro. Mas o valor negociado com o governo não foi informado.

“Eles precisam tirar eles daqui, não tem para onde levar. Nós temos as vagas. Então está juntando a fome com a vontade de comer”, diz. Nos dois quartos visitados em seu hotel, além de um banheiro, havia uma cama de solteiro, um armário de duas portas, uma cômoda e uma área de circulação apertada. Há outros quartos com duas camas de solteiro ou uma de casal. O estabelecimento também conta com uma pequena cozinha coletiva e uma área comum bem iluminada.

Para o coordenador da Pastoral do Povo da Rua, o Padre Júlio Lancellotti, faltam informações sobre o programa. “Não tem informação de como vai ser, para onde serão levadas as famílias, quais as condições desse alojamento. Nada. Só sabem que vão ter que sair”, aponta. Ele ainda critica a falta de políticas para as pessoas que estão no “fluxo”, aquelas que não vivem nos barracos, mas frequentam e dormem pela região em busca de drogas. Não há informações sobre tratamento de saúde para os dependentes de crack.

Entre moradores da favela, o clima é de esperança, mas também de incredulidade. A informação passada a eles é de que serão beneficiados com aluguel social, alimentação e uma oportunidade de emprego, com pagamento de R$ 15 por dia, pelo trabalho de gari. Todos os barracos já foram cadastrados e marcados com um adesivo timbrado da administração municipal.

As habitações precárias foram erguidas junto ao alambrado que cerca  o terreno vazio onde ficava a rodoviária da cidade. A favela surgiu depois que um prédio usado como hotel na mesma rua também foi demolido. Sem opção, os moradores foram para os barracos, alguns deles vendidos a R$ 50.

“Se cumprirem tudo que estão prometendo, para mim vai ser bom. Eu estou no deserto e esse é meu cavalo selado. Eu vou tentar agarrar essa oportunidade com todas as forças”, afirma o cozinheiro Pedro Máximo Paixão. Há um ano e meio, ele vive na região e há dois meses, no barraco. Depois de passar 18 anos preso, Paixão teve uma recaída e voltou a usar crack, droga consumida por quase todos no local. Atualmente, diz que está controlado e acredita que a oportunidade de trabalho é uma forma melhor de se reestruturar do que tratamentos médicos. “Eu já passei pelo Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas) e pela Missão Belém e quando saí foi pior”, afirma.

O emprego também é o que cria mais expectativa em Ana Lúcia Aquino, que vive com outras três pessoas em uma das barracas, equipada com TV e aparelho de som.

“Esse trabalho é o que eu mais quero”, afirma. Mas nem ela nem os outros sabem ao certo no que vão trabalhar e para onde serão levados. “Tem que ver para onde vão levar a gente, porque se for lá para não sei onde, não vai dar certo”, queixa-se o carroceiro Zilton dos Santos, que usa crack e orgulha-se de não beber. Ele conta que sua carroça custou R$ 200 e que, por isso, não pode deixá-la para trás por qualquer coisa.

“Todo mundo quer isso que eles estão oferecendo, mas se acham que isso vai resolver o problema aqui, estão enganados. Poucos vão e outros vêm”, profetiza.

Para Renato Tim, que mora em um dos barracos, a ação tem caráter temporário. “Eles vão tirar a gente daqui só até a Copa, depois, esquecem de novo”, avalia, com a experiência de 30 anos de rua. Para ele, o maior problema das políticas desenvolvidas para as pessoas que vivem na cracolândia é a tentativa de enquadrá-las em um único padrão de comportamento.

“Eu gosto de capoeira, mas eles me oferecem emprego de pedreiro, não é assim”, afirma. Tim conta que, em uma das visitas do prefeito à região, sugeriu que o terreno baldio onde ficava a rodoviária fosse transformado em uma horta comunitária, algo que motivaria várias pessoas a reestruturarem suas vidas.

“Mas eles não ouvem. Eles só querem fazer qualquer coisa e mostrar na mídia. Querem todo mundo enquadrado, batendo na mesma tecla”, opina.

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