Periferia

A exemplo de junho, repressão policial faz rolezinhos crescerem

Gestão Haddad parece disposta a não repetir postura mantida durante as manifestações do ano passado e afirma que restrições revelam preconceito de classe e étnico. Movimento vê discriminação clara

Robson Ventura/Folhapress

Jovens no último domingo no Shopping Itaquera: espaço de consumo está proibido para pobres

São Paulo – A exemplo do ocorrido durante as manifestações de junho, a repressão policial parece estimular o crescimento dos rolezinhos, eventos organizados em shoppings de São Paulo por jovens da periferia, especialmente desde os últimos meses de 2013. Surgidos com a proposta de diversão, os encontros ganharam caráter de contestação depois que alguns centros comerciais obtiveram no Judiciário liminares que lhes dão o direito de bloquear a entrada de pessoas julgadas suspeitas – alega-se risco à segurança.

Para os próximos finais de semana 17 eventos estão marcados nos shoppings de São Paulo – ao menos três neste sábado. No Rio de Janeiro, sete mil pessoas estão confirmadas para o evento agendado para o shopping Leblon, na zona sul, em solidariedade aos jovens paulistanos que no último fim de semana sofreram repressão policial e foram barrados nos shoppings JK Iguatemi, na zona sul, e Itaquera, na zona leste.

Em entrevista à Rádio Brasil Atual, o representante do Círculo Palmarino Joselicio Junior, o Juninho, afirma que o burburinho provocado pelos rolezinhos, uma expressão cultural da juventude da periferia paulista, é revelador de um preconceito étnico e de classe  “Se fossem jovens de classe média e brancos talvez não haveria a mesma reação. Como são jovens moradores de periferia, trabalhadores, muitos em sua ampla maioria negros, aí se caracteriza como arrastão, como uma ação violenta”, diz o integrante do grupo que atua no combate ao racismo.

Os rolezinhos ganharam expressão depois que teve início em São Paulo a repressão aos pancadões, bailes funk promovidos nas ruas da capital e que chegaram a reunir milhares de pessoas. Depois de se alinhar à posição do governador Geraldo Alckmin (PSDB) durante as manifestações de junho e se ver forçada a recuar, a gestão do prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), parece disposta a evitar erro, esforçando-se primeiro a entender o significado dos rolezinhos. O próprio Haddad afirmou que é importante abrir espaços públicos de lazer e encontro e que pretende dialogar com os jovens para saber de suas sugestões para o direito à cidade.

O secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sottili, disse em entrevista ao SPressoSP que o crescimento econômico visto no Brasil nos últimos anos deu aos moradores da periferia dos grandes centros urbanos o direito de consumo, e não se pode proibi-los de usufruir dos espaços destinados ao comércio, que tem no shopping center um grande símbolo.

Para ele, a revista, pela PM, de jovens que almejem participar dos rolezinhos reflete uma visão racista e um preconceito de classe. “A intenção é proibi-los de frequentar um ambiente historicamente projetado para atrair os ricos sem contato com os mais excluídos de nossa sociedade”, afirmou. “Isso significa um cadastramento prévio inaceitável por parte do Estado, sem que o indivíduo tenha cometido qualquer ilegalidade. Apenas por querer entrar num shopping center e, pela sua cor da pele, visual, roupas e postura, lhe é imposta a proibição de frequentar o local.”

Ariel de Castro Alves, advogado especialista em segurança pública e na defesa dos direitos humanos, concorda no claro caráter discriminatório da atitude da PM paulista e na necessidade de criar espaços de lazer abertos a todos. “A forma que o poder público vem atuando, repressiva e classista, não colabora para que possamos resolver essa situação. Os shopping centers, ao invés de contratar seguranças violentos, despreparados, deveriam ter em seus quadros assistentes sociais e mediadores de conflito. É fundamental que possamos compreender de forma adequada essas manifestações”, diz, em entrevista à Rádio Brasil Atual.

Militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) realizam amanhã dois “rolezinhos populares” em protesto contra a criminalização das ações dos jovens de periferia. Os alvos serão os shoppings Campo Limpo e Jardim Sul, ambos na zona sul da capital. O movimento espera 3 mil participantes em cada um dos estabelecimentos.

Na última sexta-feira (10), o shopping Campo Limpo vetou a entrada de centenas de jovens com apoio de seguranças particulares e da Polícia Militar. A equipe definia quem podia ou não entrar no espaço de acordo com “características” que demonstrassem que a pessoa não fazia parte do evento. Para o movimento essa ação é uma clara discriminação contra a população pobre.

No próximo sábado (18), ao meio-dia, a União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Classe Trabalhadora, (Uneafro), vai realizar um rolezinho no Shopping JK Iguatemi, na zona sul. A ação também é uma manifestação de repúdio à reação contra os encontros organizados por jovens na cidade. A concentração será no Parque do Povo, próximo ao centro de compras.