Manifestação

Indígenas cercam Palácio do Planalto e pedem audiência com ministro da Justiça

Mais de mil pessoas protestaram em Brasília contra minuta de portaria que atende exigência de ruralistas e modifica processo de demarcação de terras

Antonio Cruz/ABr

Índios querem demarcação imediata de territórios e fim de ataques a seus direitos

São Paulo – Depois de cercarem o Palácio do Planalto, em Brasília, na manhã de hoje (4), cerca de 1,2 mil índios de várias etnias se dividiram em manifestações no Congresso Nacional e diante do Ministério da Justiça. O grupo protesta contra o que classifica como mais uma iniciativa do governo federal para inviabilizar a demarcação de terras indígenas: uma minuta de portaria que regulamenta o Decreto 1.775, de 1996, e modifica o processo de reconhecimento de novos territórios.

“A gente entende que a minuta servirá apenas para dificultar ainda mais o processo de identificação e demarcação de terras”, explicou à Agência Brasil Sônia Guajajara, uma das coordenadoras da Articulação de Povos Indígenas do Brasil (Apib), entidade que convocou o protesto. As lideranças querem se reunir com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para questioná-lo pessoalmente sobre a medida. “O governo federal e o Congresso estão aliados para atacar e diminuir os direitos indígenas, principalmente os territoriais, favorecendo o agronegócio e o latifúndio.”

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Ao perceber a chegada dos índios, seguranças fecharam todas as portas de acesso ao Palácio do Planalto. Os manifestantes rodearam o edifício e tentaram passar pela entrada lateral. Fazendo barulho e carregando faixas com pedidos de “demarcação de terra urgente”, alguns manifestantes forçaram a passagem, entrando em confronto com a segurança. Alguns agentes chegaram a usar spray de pimenta para dispersar o grupo.

Após cerca de meia hora no local, parte do grupo seguiu para o Congresso. Outra parte se reuniu diante do Ministério da Justiça, impedindo o acesso dos servidores que chegavam. Policiais militares reforçam a segurança do local. Representantes do ministério estão negociando com os líderes do protesto. Segundo a assessoria do ministro José Eduardo Cardozo, ele pretende receber uma delegação indígena para discutir o tema.

A minuta de portaria é uma resposta da administração Dilma Rousseff a uma antiga demanda dos proprietários de terra e produtores rurais do país, que exigem participar de todas as fases do processo de demarcação de territórios indígenas. Seus representantes no Congresso, reunidos na bancada ruralista, costumam desacreditar o trabalho da Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável pelos estudos antropológicos e delimitação das reservas passíveis de reconhecimento. Para o agronegócio, os servidores da Funai são parciais e defendem apenas os interesse dos índios.

Em 2013, várias iniciativas parlamentares, entre propostas de emenda à Constituição e projetos de lei, tentaram modificar a legislação vigente sobre demarcações. Os índios protestaram e, por enquanto, conseguiram barrá-las. O governo também ajudou a congelar algumas delas, retirando seu apoio. Foi o caso da PEC 215, que pretendia transferir ao Congresso a palavra final sobre demarcações – hoje uma prerrogativa exclusiva do Executivo. No entanto, o Planalto prometeu aos produtores rurais encontrar uma solução para dar mais “transparência” ao processo.

Assim, na última quinta-feira (28), apresentou a parlamentares e lideranças indígenas a minuta de portaria para regulamentar o Decreto 1.775/1996. Os ruralistas viram o texto com bons olhos, apesar de acharem que a proposta ainda dá muito poder à Funai. Os índios, pelo contrário, criticam alterações no processo de demarcação. A principal divergência está na permissão para que “qualquer interessado” possa participar dos grupos de estudo que servirá de base para a demarcação. Eles também se opõem à criação de fóruns de contestação fora da Funai.

“Há um momento em que as autoridades, e o ministro da Justiça, principalmente, têm que se posicionar e atuar para que os direitos sejam cumpridos, para implementar o que já é garantido constitucionalmente, e não adiar ainda mais isso”, continua Sônia Guajajara. “O efeito da demora na demarcação de novas terras indígenas é tensionar ainda mais a situação. O governo e o ministro pensam que estão mediando, apaziguando as tensões, mas os conflitos só vêm aumentando.”

Além de criticar a minuta, os índios também cobram a apuração de crimes contra os povos indígenas, como o assassinato do cacique guarani-kayowá Ambrósio Vilhalba, da Guyraroká, em Cristalina (MS). Vilhalba foi encontrado morto na última segunda-feira (2). A Polícia Civil do Mato Grosso do Sul deteve dois suspeitos e investiga se a morte foi consequência de rixas entre o cacique e outras lideranças da aldeia.

“O governo deve deixar de promessas e cumprir o que prometeu para nós. Hoje você vê o povo indígena lá em Mato Grosso do Sul sendo assassinado por fazendeiros, por grandes pecuaristas, que querem tomar a terra do índio. Queremos demarcação de terras urgente. Não dá mais para aguentar. Também queremos direito à saúde e à educação. E respeito ao povo indígena”, disse o índio kinikinau Nicolau Flores.

Com informações da Agência Brasil