São Paulo

Aeroporto pode abrir caminho para degradação ambiental da zona sul de São Paulo

Moradores e ambientalistas alertam que obra vai afetar área de nascente e abastecimento de água. Vereadores dizem que opositores ao projeto em Parelheiros devem arrumar outro problema para cuidar

Projeto do aeródromo de Parelheiros, que poderá receber até 154 mil voos por mês <span>(Divulgação/Harpia)</span>Especialistas afirmam que várzea de rio é fundamental no equilíbrio do ecossistema <span>(Leo Malagoli/Arquivo pessoal)</span>Várzea do rio Embu guaçu poderia ser comprometida por aeroporto <span>(Leo Malagoli/Arquivo pessoal)</span>Segundo a empresa, somente 15% da área do aeroporto será ocupada por construções <span>(Divulgação/Harpia)</span>

São Paulo – Especialistas contrários à construção de um aeroporto executivo em Parelheiros, no extremo sul da capital, temem que a obra abra caminho para a ocupação desenfreada da região, tanto por empresas quanto por novos moradores. Sem desconhecer o impacto na fauna da região, além de árvores e nascentes existentes no local, os opositores do empreendimento argumentam que o problema maior está no longo prazo: o fornecimento de água potável para a cidade.

O aeroporto ficaria muito próximo das Áreas de Preservação Ambiental (APA) Capivari-Monos e Bororé Colônia, remanescentes de Mata Atlântica que se ligam ao Parque Estadual da Serra do Mar. Na área do aeroporto está a várzea do rio Embu-Guaçu, principal formador da represa Guarapiranga, que fornece cerca de 30% da água potável consumida em São Paulo.

“É uma área que deveria ter apenas ações de desenvolvimento sustentável, que garantissem a preservação. Em 2007, começou a ser construído o Rodoanel. Argumentou-se que era só a rodovia, que não teria interligações. Agora vem o aeroporto, com uma provável ligação com o anel viário, passando sobre os parques naturais no entorno dele. O que virá depois?”, questiona o biólogo Leo Malagoli, especialista em biodiversidade, que atua na região há 13 anos.

Esse questionamento leva ao principal problema apontado pelos integrantes do movimento “Aeroporto em Parelheiros, Não!”. “Quando se faz uma obra como essa as coisas não se limitam à obra em si. É quase natural que a infraestrutura acompanhe e tenhamos outros empreendimentos na região, como hotéis, postos de gasolina, mais gente morando”, argumenta Malagoli. “Basta observar o que ocorreu no entorno do aeroporto de Cumbica, em Guarulhos.”

Durante audiência pública na manhã de ontem (9), para discutir as macrozonas definidas pelo Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, o vereador Ricardo Young (PPS) também ressaltou a importância de avaliar os impactos de longo prazo. “Cumbica foi instalado em uma região praticamente rural e hoje sofre com um adensamento populacional dramático. O aeródromo não ofereceu ainda um estudo deste tipo. Acredito que pode construir com baixo impacto, mas como garantir o posterior?”.

A construção do aeródromo pela Harpia Logística foi vetada pela prefeitura de São Paulo em 10 de agosto. O empreendimento contraria a legislação que instituiu a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Bacia Hidrográfica do Guarapiranga, (Lei nº 12.233, de 16 de janeiro de 2006) e também a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Lei 13.885, de 25 de agosto de 2004), que define a região como Zona Especial de Recuperação Ambiental (Zepam) e também como Zona de Proteção e Desenvolvimento Sustentável (ZPDS). Essas normas vetam construções de grande porte, como um aeroporto.

O prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) chegou a cogitar a transferência dos voos do aeroporto Campo de Marte para o novo aeroporto, como parte da proposta do Arco do Futuro na zona norte da cidade, para possibilitar construção de prédios comerciais na região. No entanto, ele não manifestou apoio ao empreendimento em Parelheiros e disse considerar a possibilidade de mudança para a cidade de São Roque, onde também se planeja a construção de um aeroporto.

“Logo, a construção é ilegal. Então, não deveria haver sequer discussão. Mas querem aproveitar a revisão do Plano Diretor para conseguir as mudanças necessárias ao empreendimento”, afirma Malagoli. A legislação de uso e ocupação do solo do município deve ser revisada no próximo ano e a flexibilização da Zona de Preservação Ambiental (Zepam) poderia permitir a construção.

Malagoli explica que a alteração tem de considerar vários aspectos, e não pode ser fruto de uma decisão de gabinetes. “A definição de uso e ocupação do solo deve respeitar estudos geotécnicos e de hidrografia, por exemplo.”

A organização não governamental SOS Mata Atlântica também teme a flexibilização da legislação ambiental. E publicou manifesto em sua página na internet posicionando-se contra a construção do aeródromo. “Diante deste momento de revisão do Plano Diretor de São Paulo e de implementação de Planos Municipais da Mata Atlântica para contrapor retrocessos praticados contra a Legislação Ambiental brasileira, cabe à Fundação SOS Mata Atlântica posicionamento firme em relação a não flexibilização do zoneamento para usos do solo na área de proteção dos mananciais, cuja legislação é uma conquista da sociedade, fruto de audiências públicas e da contribuição de diversos setores.”

O aeródromo ocuparia uma área de aproximadamente 4 milhões de metros quadrados. No entanto, a Harpia informa que somente 15% da área será construída. O local irá receber serviços de táxi aéreo, helicópteros, movimentação de cargas e armazenagem de peças de aeronaves. A pista teria 1.830 metros, 110 metros a menos que a do aeroporto de Congonhas (1.940) e 230 a mais que a do Campo de Marte (1.600), na zona norte da Capital, também destinado à aviação privada.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) concedeu à Harpia a licença de uso do espaço aéreo para a região, em abril deste ano. Porém, o certificado diz respeito apenas à área livre para pousos e decolagens. Quem libera as autorizações ambientais e de ocupação do solo são o governo estadual e o município.

Pelo menos um hotel, além de um posto da Receita Federal e espaços comerciais, devem ser construídos. O aeródromo terá capacidade para realizar até 154 mil pousos e decolagens por mês, segundo a empresa. “Esse tamanho de pista, essa capacidade de voos, não é uma coisa pequena. Está pensado para o futuro, para receber voos de maior porte, com mais impacto no ambiente local”, afirma Malagoli.

O diretor da Harpia Logística é André Skaf, de 32 anos, filho do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Ele argumenta que o empreendimento é ambientalmente seguro e vai criar dois mil empregos diretos e, ao menos, cinco mil indiretos. “Não queremos causar um desastre ambiental na região. Vamos fazer tudo de acordo com a lei e com as exigências ambientais de construção. Estamos levando desenvolvimento e empregos para uma das regiões mais carentes da cidade”, disse.

Skaf defende que a região será mais preservada após a construção do aeroporto. “Vamos estabelecer dois parques: Um com 1,4 milhão de metros quadrados para a população e outro com 2 milhões de metros quadrados para preservação absoluta e pesquisa. Eles se ligam ao parque natural Jaceguava e o parque Nascentes do Embu-Guaçu”. Além disso, a área de segurança para pousos e decolagens também seria voltada à preservação. “O cone de aproximação das aeronaves deve garantir uma grande área protegida”, afirmou.

No entanto, essa proteção é relativa. As normas de operação de aeroportos definem que um espaço de até 4,5 quilômetros no entorno do aeródromo, chamada Área Cônica, poderá ter construções de no máximo 30 metros de altura. Isso possibilitaria prédios de até 10 andares na região.

A criação de empregos, que tem sido um dos principais argumentos para o empreendimento na região, é questionável, na opinião do economista Mauro Scarpinatti. “De que tipo de empregos estamos falando? Eles dialogam com as possibilidades da população local? Ou vamos trazer pessoas de outras regiões para trabalhar no aeródromo?”

Para ele, a estimativa de empregos indiretos demonstra que a região será mais ocupada. “As outras cinco mil vagas dependem de mais investimento na região. Ora, isso só de se dará com mais ocupação, mais devastação do meio ambiente”, acusou.

Scarpinatti avalia ainda que o empreendimento pode provocar a expulsão de moradores. “Obras desse tipo costumam ser acompanhadas de especulação imobiliária. A valorização de áreas próximas ao aeroporto podem levar a processos de exclusão que vão empurrar os pobres ainda mais para dentro da área de preservação.”

Segundo o biólogo Malagali, outro ponto que desfavorece a construção do aeródromo, do ponto de vista ambiental, é o impacto na rota de voos de aves migratórias que passam pela região, como Tuiuiús. A remoção de árvores e de vegetação secundária também afetaria a vida de animais selvagens como cachorros do mato, macacos bugio, felinos e répteis que vivem ali.

“Embora seja um local de plantio de eucaliptos, a mata está em recuperação. Já há espécies novas crescendo entre as árvores de extração”, argumenta Malagali. A várzea do rio Embu-Guaçu e as nascentes do entorno também seriam atingidas pela obra. “Essa é uma das únicas várzeas preservadas na cidade. Tudo isso vai sofrer degradação com a obra.”

Opções de desenvolvimento

Algumas alternativas, inclusive, foram apresentadas na audiência. A gestora de unidades de conservação da Secretaria do Verde e Meio Ambiente, Simone Miketen, apresentou dados da agricultura na região e defendeu a definição de uma zona rural naquele distrito. “A região conta com 316 agricultores mapeados. Porém eles não podem acessar programas governamentais porque a região não é considerada zona rural. Isso impede ações de desenvolvimento sustentável e empreendimentos que estejam de acordo com o potencial da região”, explicou.

A proposta é apoiada pela assessora técnica ambiental do vereador Nabil Bonbuki, Maria Lúcia Bellenzani. “Uma zona rural tem legislação específica que pode funcionar como barreira ao adensamento urbano e a ações que coloquem em risco a preservação ambiental”, afirmou. Segundo Maria Lúcia, hoje as pessoas sofrem inclusive com a insegurança jurídica, pois vivem em áreas sem regularização fundiária. “A zona rural também permitiria que as pessoas obtivessem certificados de propriedade adequados.”

Outra possibilidade é o desenvolvimento de um polo ecoturístico em Parelheiros, que conta com tribos indígenas, comunidades antigas, cachoeiras, trilhas, parques naturais, templos religiosos e mirantes que permitem a observação do litoral. “O que não podemos é deixar a região absolutamente desamparada”, completou Maria Lúcia.

Hoje a área vive em um limbo territorial e econômico. Não pode receber políticas de urbanização por se tratar de uma área de preservação permanente. Tampouco indústrias ou empreendimentos de grande porte podem ser realizados ali.

Parlamentares a favor

Os vereadores da Comissão de Política Urbana e Meio Ambiente da Câmara Municipal de São Paulo são praticamente unânimes no apoio à construção do aeródromo em Parelheiros, extremo sul da capital. Com exceção de Nabil Bonduki (PT), contrário, e José Police Neto (PSD), que não se posicionou, os vereadores Antônio Goulart (PSD), Alfredo Alves Cavalcante, o Alfredinho (PT), Milton Leite (DEM) e Andrea Matarazzo (PSDB) consideram que o empreendimento tem baixo impacto ambiental e vai beneficiar a região e a população do distrito.

Já na abertura da audiência pública para debater a importância da macroárea de preservação ambiental na cidade de São Paulo, Matarazzo afirmou que a preservação não pode ser impedimento para o progresso. “Não é porque a área é de preservação ambiental que o bairro precisa ficar parado. É possível associar desenvolvimento e cuidado com o meio ambiente.”

O vereador Milton Leite se dirigiu diretamente aos opositores da construção, dizendo que eles deviam se ocupar com outros problemas. “O esgoto que é derramado nos córregos está destruindo a represa Guarapiranga, mas os ambientalistas vão se opor ao aeródromo, que terá impacto muito baixo”, afirmou. Após um pequeno bate-boca com um grupo que estava acompanhando a audiência, Leite afirmou: “Cumpra-se a lei.”

“É o que nós queremos, pois isso impede a construção”, respondeu o economista Mauro Scarpinatti.

Ricardo Nunes, vereador pelo PMDB, fez um apelo pela criação dos empregos na região. “Não podemos tratar a região como um imenso parque. Tem 180 mil pessoas vivendo lá, que precisam trabalhar, se desenvolver”, afirmou.

Um grupo de moradores, com camisas brancas e amarelas, apoiava as falas em defesa do aeródromo e vaiava os contrários. Segundo Edmundo dos Reis, eles foram organizados pelo vereador Sandro Social (PT), de Embu-Guaçu. “Nós viemos aqui porque acreditamos que o aeroporto é bom pra nossa região e vai gerar empregos”, afirmou. Outro grupo, de camisas vermelhas, chegou ao local acompanhando por um assessor parlamentar do vereador Alfredinho, mas os integrantes negaram ter sido organizados por ele.

Alfredinho também defende a construção do aeródromo. Para ele, a obra vai contribuir para a preservação. “Eu prefiro que faça o aeroporto e preserve o entorno do que deixar como está e correr risco de uma ocupação irregular aumentar a degradação e a poluição”, afirmou. Para o vereador, a construção é inquestionável. “Se não pode fazer isso é melhor tirar os 180 mil moradores da região.”

O parlamentar Nabil Bonduki, contrário à construção, afirmou que é preciso pensar em alternativas sustentáveis. “Os vereadores Milton Leite, Ricardo Nunes e Alfredinho conhecem bem aquela região, cresceram lá. Têm até alguns lotes por ali”, ironizou. Ele retrucou as tentativas de reduzir a oposição ao aeródromo a desconhecedores da região. “Embora eu não viva lá, também estudei aquela região, conheço suas necessidades e importância”, afirmou.

No entanto, alguns parlamentares parecem decididos a trabalhar pela liberação da construção do aeroporto. O vereador Goulart garantiu que a Câmara não vai deixar a região sem o aeródromo. “Nós não podemos permitir que o desenvolvimento seja impedido”, disse.

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