Conferência inédita discute política para imigrantes na cidade de São Paulo

Guiado pela lógica dos direitos humanos, evento ocorre entre sexta e domingo. Direito ao voto é uma das principais reivindicações

CC / Cleber Machado

Imigrante vende roupas de seu país de origem sobre ponte da Av. 23 de Maio. Deveres devem vir juntamente com direitos

São Paulo – Pessoas de diversas nacionalidades se reunirão entre hoje (29) e domingo (1º) na 1ª Conferência Municipal de Imigrantes, em São Paulo, para debater e elaborar uma política para estrangeiros residentes na cidade. A iniciativa inédita será promovida pela Coordenadoria de Políticas para Migrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, que pretende debater temas relativos a uma população estimada em 400 mil pessoas apenas na capital paulista. No domingo, também será realizada a 7ª Marcha do Imigrante, que percorrerá as ruas do centro a partir das 9h.

Bolivianos, paraguaios, peruanos e pessoas provenientes de vários países do continente africano estão entre os grupos que mais tem buscado a cidade fugindo de condições ainda piores de vida do que as encontradas aqui, onde são submetidos a trabalhos degradantes e, em alguns casos, análogos à escravidão. Os estrangeiros que vivem no Brasil enfrentam a dificuldade de acesso à documentação e a serviços públicos como saúde e educação. Além disso, o medo de buscar instituições oficiais e perder a fonte de renda ou ser deportado os expõe  agressões físicas, estupros e até mesmo a morte, como no caso do boliviano Bryan, de 4 anos, baleado durante um assalto em sua casa, no Brás. Os bandidos sabiam que seus pais não podiam ter conta bancária e por isso guardavam dinheiro em casa. Depois do episódio, a Cordenadoria do Migrante fechou acordo com a Caixa para que os estrangeiros em processo de legalização possam abrir contas bancárias.

O coordenador do Fórum Social dos Direitos Humanos do Imigrante, Cleyton Borges, ressalta a importância de a Conferência Municipal ser realizada pela Secretaria de Direitos Humanos, criada em janeiro. Para ele, a iniciativa abre uma nova linha de entendimento para a elaboração de políticas para a população estrangeira, já que, atualmente, o assunto é visto sob a ótica da segurança e do trabalho. “A lei que trata sobre a questão da imigração no Brasil é remanescente da ditadura. Ele é controlado, vigiado e tem que se reportar à Polícia Federal o tempo todo, porque a lei vê o imigrante como uma ameaça. A outra linha, que tem mais pontos positivos, mas ainda é limitada, vê o estrangeiro como mão de obra. Ele fica se estiver produzindo”, afirma Borges.

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O senador paulista Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) é autor de uma proposta de alteração da lei de 1980, mas o texto é criticado por ativistas, que o consideram desatualizado em relação a entendimentos já consolidados internacionalmente sobre o tratamento que deve ser dado a residentes estrangeiros. “Esse projeto tem que ser refeito. Até porque tem que ser dialogado com o imigrante. Não pode ser uma coisa que venha de cima para baixo. Uma proposta nossa é que, na 1ª Conferência Nacional de Migrações e Refúgio, a gente consiga encaminhar uma proposta dialogada”, afirma Mário Geremia, do Centro Pastoral do Migrante do Rio de Janeiro.

Para participar da conferência, é preciso se inscrever no site da SDH e informar em qual grupo de discussão pretende participar. As turmas serão divididas conforme os quatro eixos norteadores da conferência: promoção e garantia de acesso a direitos sociais e serviços públicos; promoção do trabalho decente; inclusão social e reconhecimento cultural; legislação e política para as migrações e refúgio e o direito de cidadania e direito ao voto.

A participação na vida política do país é considerada uma das prioridades dos imigrantes e ativistas ligados à causa. Além do projeto de Nunes, há outros dois em tramitação no Congresso – dos deputados federais Roberto Freire (PPS) e Carlos Zaratinni (PT) – com o objetivo de permitir que estrangeiros residentes no país possam ter direitos políticos.

Segundo o coordenador de Políticas para Migrantes Paulo Illes, a cidade de São Paulo defenderá a mudança na Constituição durante a Conferência Nacional, promovida pelo Ministério da Justiça, em maio de 2014. “A conferência municipal vai debater o direito ao voto e a legislação nacional e a gente espera que a campanha pelo direito ao voto possa ser reforçada nesse processo”, afirma. “Com o voto, o migrante vai ser olhado pelo poder público.”

O Brasil é o único país da América do Sul que não dá nenhum direito político a estrangeiros, incluindo o de sindicalização. Paraguai, Colômbia, Bolívia e Peru permitem ao imigrante votar em eleições distritais e municipais. No Paraguai, o estrangeiro pode, inclusive, votar e ser votado. Chile e Uruguai são exemplos de países que permitem o voto de imigrantes nas eleições presidenciais. A avaliação de estrangeiros e ativistas ligados à causa é que essa é uma das principais razões para a invisibilidade dos estrangeiros, especialmente aqueles que vivem em situação de vulnerabilidade.

“O direito ao voto é a prioridade número um para os imigrantes no Brasil. Essa população é invisível para o poder, assim como suas demandas. Participar da vida política é uma forma das suas questões serem atendidas”, acredita Cleyton Borges.

Para a dubladora boliviana Mônica Rodriguez Ulo, ainda mais importante do que poder ser votado é votar. “Os filhos de alguns bolivianos nascidos aqui no Brasil já tentaram se candidatar, mas conseguiram muitos poucos votos. Então, o mais importante é votar para que, no longo prazo, possam ter representantes eleitos.”

  • Serviço
  • 1ª Conferência Municipal de Políticas para Migrantes
  • Centro Universitário Anhanguera – Av. Brig. Luís Antonio, 871, Bela Vista
  • Dia 29/11, das 18h às 19h30 (credenciamento) e das 19h30 às 22h (abertura oficial, no auditório)
  • Dia 30/11, das 8h às 9h (credenciamento) e das 9h às 19h (grupos de trabalho, nas salas de aula, e eleição de delegados, no auditório)
  • Dia 1º/12, das 8h30 às 11h (plenária final e encerramento, no auditório)
  • Para participar, basta fazer a sua inscrição aqui
  • 7ª Marcha dos Imigrantes em São Paulo
  • 1º/12, a partir das 9h
  • LOCAL: Praça da República, esquina com a rua Barão de Itapetininga

 

 

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