Cidade Fantasma

‘Sem-destino’ ainda vivem em escombros de favelas removidas por Alckmin

Famílias não conseguem indenização porque são consideradas pelo governo paulista integrantes de núcleos familiares que já foram ressarcidos. Em lugar-fantasma, convivem com medo, insetos e ratos

Casas inutilizadas ainda permanecem de pé servindo de esconderijo a animais e pessoas <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>Local que abrigava área coletiva da comunidade virou campo de escombros <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>Araújo peregrina em casas de amigos esperando solução para ele e a filha <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>Talita improvisou um varal na área que restou aberta, onde antes haviam dezenas de casas <span></span>Talita fica na só parte de cima da casa. A irmã saiu recebendo auxílio aluguel <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>Casas que ainda possuem esquadrias e portas indicam locais onde há moradores <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>No Comando, algumas famílias aguardam definição mesmo já tendo feito escolha <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>Caminho de Araújo e Talita para suas casas passa por montes de entulho <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>Proximidade com construções parece ser problema em casos específicos, não em todos <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>Justificativa de distância segura é relativa pelo que se observa em outros locais <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>

São Paulo – Lama, ratos, insetos e escombros: três famílias que moram na favela do Buraco Quente, na esquina das avenidas Jornalista Roberto Marinho e Washington Luís, zona sul de São Paulo, sentem saudade do tempo em que tinham vizinhos. Agora, o entorno é de destruição, e a comunidade, uma lembrança de tempos em que essas pessoas se sentiam menos vulneráveis. As famílias da comunidade-fantasma reivindicam receber auxílio-aluguel e ser incluídas no cadastro social para as futuras moradias que, prometeram, serão construídas.

Tudo começou em setembro do ano passado, quando o governo estadual iniciou a remoção das 400 famílias que moram nas favelas Comando e Buraco Quente para dar início à construção do monotrilho da Linha 17 – Ouro do Metrô paulistano, que vai ligar o bairro do Jabaquara ao Morumbi, passando pelo aeroporto de Congonhas. À época, o Metrô informou que a remoção se deu pela necessidade de implementação da infraestrutura, o que corresponde basicamente às áreas relativas à projeção das vias, das estações e dos edifícios de apoio, acessos e pátios – embora a via passe muito mais perto de um hipermercado naquela região e de um condomínio, ambos intocados até o momento.

As cerca de 20 famílias que ainda vivem no Comando já fizeram opção por indenização ou cadastro social e aguardam a resposta do Metrô para deixar as moradias. As três que a reportagem da RBA encontrou vivendo no Buraco Quente alimentam a esperança de que o governo paulista reavalie a situação delas. O problema é que o Metrô considera que elas viviam dentro de outras casas e, portanto, pertencem a núcleos familiares que já foram indenizados.

O técnico em informática Iraildo Lira Araújo, de 32 anos, vive com a filha Celine, em um cômodo, de favor na parte de cima da casa de um amigo. Ele foi considerado membro do mesmo núcleo familiar da mãe, Celina Lira, com outros dois irmãos. Ela optou pela indenização de R$ 105 mil e comprou uma casa com estrutura bastante precária no Parque Florestal, distrito de Parelheiros, a cerca de 25 quilômetros de onde viviam.

“Eu me separei da mãe dela e construí um cômodo para mim em cima da casa da minha mãe, onde ficava com minha filha. Mas, como não fiz um banheiro, o pessoal do Metrô disse que não poderia considerar uma família diferente”, explica. “A gente não tem muita condição, então a família fica toda perto, vai construindo um puxadinho aqui, outro ali, sobe de um lado, estica do outro e vai vivendo. Mas se temos de sair precisamos ser considerados na realidade que a gente tem, e não por viver tudo junto.”

Segundo Araújo, depois que a mãe acertou os rumos dela e recebeu a primeira parcela da indenização, os técnicos que atendem às famílias disseram que se ele não saísse da casa não pagariam a outra parcela. “Não tinha como ir morar com ela, porque é muito longe. Aqui aparece trabalho e eu vou de bicicleta para não gastar mais. Então fui morar com um amigo, que também já foi embora. Agora estou com outro. Vivo em uma peregrinação buscando solução para isso”, afirma.

No momento, Araújo vive praticamente isolado, em um bloco onde todas as casas vizinhas estão vazias e o quintal é uma imensidão de entulho, com alguns conjuntos de residências abandonadas em volta e as pilastras do monotrilho visíveis ao fundo. “Só fiquei no meio dessa desolação porque toda minha vida foi construída aqui. Vou lutar até o fim para conseguir ser incluído no cadastro, porque isso não está certo.” O outro morador da casa não foi localizado.

A cerca de 50 metros da casa de Araújo, Talita Merinda Peres Franco, de 19 anos, cuida da filha Kaylayne, de três meses. O marido, Frederick Pinheiro Santos, de 21 anos, trabalha em um supermercado e fica fora a maior parte do dia. Eles também não foram desmembrados de suas famílias e não foram incluídos no cadastro social, nem receberam indenização.

“Eu fiquei grávida depois que eles fizeram a primeira visita e cadastraram a família. Depois não quiseram considerar o fato de eu ter engravidado e ir morar com meu marido”, explica. A mãe recebeu a indenização e foi morar no interior de São Paulo. A casa foi imediatamente inutilizada.

Sem um lugar para morar, o casal foi viver na residência de Sarita, irmã de Talita, na mesma comunidade. “Quando chegou a vez dela, o Metrô também não considerou que éramos duas famílias e sugeriu que eu fosse morar com ela no futuro apartamento”, afirmou. “Mas ela é casada e também não tinha condições. Eu não quero dinheiro, quero ser incluída no cadastro para receber uma moradia minha. A gente quer pagar a nossa casa, não quer de graça”, completou.

Segundo ela, as noites são muito tensas. “À noite a gente nunca sabe quem está andando por aqui. Vira e mexe roubam os fios de eletricidade e a gente fica no escuro. É um terror”, explicou.

As casas de Talita e Araújo não apresentam sinais de terem sido inutilizadas pelo Metrô, como foram as demais. O procedimento é realizado justamente para evitar que novas famílias adentrem construções abandonadas e aleguem viver ali.

Já na saída da comunidade encontramos a desempregada Sônia Pereira da Silva, que também aguarda nos escombros. Mas não por ela mesma. “Já me fizeram as ofertas para eu sair com a indenização e com cadastro social. Mas, se não solucionarem o caso dos meus filhos e noras, eu não saio”, afirmou. Os filhos de Sônia estão presos, mas as noras e os netos vivem com ela. “Elas têm de ser consideradas núcleos familiares separados, porque já têm filhos e tudo. Eu vou com os meus outros filhos para outra casa, mas elas são outras famílias”, protesta.

Sônia disse que vive na comunidade há dez anos e a estrutura da casa segue o mesmo modelo de Araújo. Com muita gente no mesmo espaço, foi-se dando a solução possível: subir. Hoje ela vive com seis crianças, sendo quatro netos e dois filhos menores, as duas noras e outros dois filhos adultos. “Não estamos lutando para ficar aqui, só queremos que o direito de todos seja respeitado”, conclui.

Até o fechamento da reportagem, o Metrô paulista não respondeu aos questionamentos da RBA.

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