Protesto

Ao menos 56 são detidos durante ato em São Paulo por melhoria da educação

Alunos de USP e Unicamp, que convocaram manifestação, entendem que falta de democracia nas universidades reflete vontade do governador. A caminho do Palácio dos Bandeirantes, marcha foi reprimida

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Alunos se reuniram no Largo da Batata e caminham em direção à residência oficial de Alckmin

São Paulo – Estudantes da USP e Unicamp foram reprimidos pela Polícia Militar hoje (15), na Marginal do Rio Pinheiros, zona oeste de São Paulo, quando caminhavam em direção ao Palácio dos Bandeirantes, residência oficial do governador. O protesto teve início no Largo da Batata para marcar o Dia do Professor, celebrado em todo o país, e cobrar democratização na estrutura de poder das duas universidades. Ao menos 56 pessoas foram detidas até o momento e levadas para “averiguação”.

A articulação para o ato começou a ser feita há duas semanas, em meio a protestos nas duas instituições. Na USP, uma ocupação no prédio da administração teve início no dia 1º, quando o Conselho Universitário decidiu promover pequenas mudanças no método de escolha do reitor, frustrando a expectativa de que se avançasse em direção à votação direta. No campus localizado na zona leste da capital paulista, estudantes protestam contra a contaminação do solo em que estão instalados alguns edifícios, problema que levou a uma greve.

Durante o trajeto houve divergência entre os organizadores do ato e um grupo de manifestantes encapuzados que queriam seguir à frente da passeata. Alguns alunos entendiam que o mais importante era que a bandeira com as causas dos universitários tomasse a dianteira da caminhada, o que fez com que os participantes do protesto ficassem quase meia hora parados.

Depois disso, quando os manifestantes caminhavam pela Marginal do Rio Pinheiros, foram encurralados pela Polícia Militar, que deu início à repressão com cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo em grande quantidade. Sem ter nenhuma alternativa de rota de fuga, alguns estudantes pularam o alambrado e se refugiaram no estacionamento e dentro de uma loja de departamentos, onde foram novamente perseguidos por policiais e bombas foram jogadas dentro da loja. Nós estávamos sentados conversando e tentando recuperar do gás quando a polícia entrou indo para cima de todo mundo”, afirmou uma das estudantes que participaram do protesto.

Cerca de 15 minutos depois de cessar o ataque policial, os resquícios do gás permaneciam no ar e ainda provocavam mal estar em funcionários e clientes. “Os consumidores foram orientados a ficar no andar de cima da loja”, disse a cliente Caroline Romeiro. “Não vi nada sendo depredado. Os manifestantes foram correndo para a copa em busca de água.”

Parte dos manifestantes seguiu até o metrô Butantã, onde houve mais confrontos e depredações.

Até o início da madrugada, manifestantes ainda eram ouvidos no 14º Distrito Policial, em Pinheiros. Segundo membros do grupo Advogados Ativistas, que prestam auxílio jurídico para movimentos sociais, nenhum deles chegou a ser fichado, mas todos devem assinar um termo em que constam seus dados pessoais para ser averiguada a participação em danos ao patrimônio e lesões corporais. Segundo a PM, seis policiais foram feridos. Não há número oficial de lesionados entre os manifestantes, mas a reportagem da RBA viu pelo menos oito com cortes e escoriações e uma dezena de pessoas com sinais de intoxicação em função das bombas de gás usadas pelos militares.

A reitoria da Unicamp está ocupada desde o dia 3, quando a administração cogitou aceitar a proposta do governador Geraldo Alckmin (PSDB) de colocar a Polícia Militar dentro dos campi. A medida seria adotada depois da morte de um estudante durante uma festa, mas agora, segundo os estudantes, essa possibilidade foi descartada – na Cidade Universitária, da USP, a atuação da PM foi introduzida também após a ocorrência de crimes, e há queixas de que muitos policiais cometem violações contra estudantes.

“Há um consenso de que a luta das universidades é a mesma em função dos processos centralizadores do governo do estado. A ideia de privatização e de falta de democracia dentro das universidades”, diz a aluna Diana Nascimento, coordenadora do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Unicamp. Ela relata que aqueles que participam da ocupação reitoria têm sofrido punições consideradas inadequadas pelo DCE.

Thiago Aguiar, diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE), acrescenta que aquilo que vem ocorrendo na USP e na Unicamp é fruto de uma política maior, centralizada pelo governo Alckmin, no sentido de prejudicar o ensino público e impedir a criação de mecanismos democráticos nas universidades. Na visão dele, a mudança fundamental é garantir a eleição direta para o cargo de reitor: “Essa é a ponta do iceberg. Uma vez que se elege o reitor, pode-se trabalhar pelos outros pontos. Políticas de permanência, revisão dos currículos.”

Atualmente, a escolha do reitor da USP se dá a partir de uma lista tríplice encaminhada ao governador. A votação é feita em dois turnos pela Assembleia Universitária, formada pelo Conselho Universitário, Conselhos Centrais, Congregações das Unidades e pelos Conselhos Deliberativos dos Museus e dos Institutos Especializados – 1,7% do total de 120 mil integrantes da comunidade uspiana. A mudança recém-aprovada prevê que a escolha se dê em um turno, com uma consulta prévia aberta, mas não deliberativa.

Na última semana, o juiz Adriano Laroca, da 12ª Vara da Fazenda Pública da Capital, rejeitou pedido da reitoria pela reintegração de posse do edifício ocupado. O magistrado manifestou que as regras de escolha do reitor, da época da ditadura, apenas contribuem para reforçar o caráter autoritário da sociedade brasileira, reiterada ainda pela “ausência total de disposição política da Reitoria em iniciar um debate democrático a respeito de diversos temas sensíveis e relevantes à melhoria da própria qualidade da universidade”.

No dia seguinte, a juíza Carmen Teijeiro e Oliveira, da 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital, deu razão à administração da USP ao determinar a reintegração de posse do prédio da USP Leste ocupado desde o dia 2. Estudantes, funcionários e professores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) estão em greve desde setembro, aguardando esclarecimentos sobre a contaminação no solo do campus. A juíza preferiu “não adentrar no mérito da justiça ou injustiça da pretensão dos estudantes”, mas alegou que a ocupação atrapalhava o desenvolvimento das atividades normais da comunidade universitária.