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Coronel afirma que PM precisa readaptar sua ação para manifestações

Consultor da Cruz Vermelha afirma que serviços de inteligência são desafiados pela rapidez com que atos acontecem, o que dificulta planejamento de ações e diálogo com líderes

Marcelo Camargo/ABr

Práticas policiais como a falsificação de flagrantes se mostraram sistemáticas nos últimos meses

São Paulo – As recentes manifestações em todo o país têm elevado a quantidade de questionamentos sobre a atuação da Polícia Militar. O uso de dispositivos móveis durante atos faz com que se tornem mais evidentes as ocorrências de abusos que antigamente eram conhecidos, mas não estavam registrados, como a falsificação de flagrantes por porte de explosivos ou de drogas e violência física contra participantes de protestos. Esta semana, por exemplo, durante atos pelo Dia do Professor em São Paulo e no Rio de Janeiro, houve denúncias de que policiais militares atuaram com força excessiva e que levaram para delegacias pessoas que não haviam cometido qualquer infração.

O coronel reservista da PM André Vianna, consultor do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para forças policiais e de segurança, entende que desde as manifestações de junho ocorridas em todo o país ficou evidente a necessidade de reavaliar a atuação policial. “É uma realidade e os fatos estão se repetindo”. Segundo o coronel, a rapidez com que as manifestações são organizadas e a difusão de informações pela redes sociais dificultam o planejamento. “A polícia tem um serviço específico para esse tipo de coisa, uma área de inteligência. Antigamente ela podia detectar e planejar a ação por mais tempo. Hoje falta tempo para planejar, detectar e dialogar com os líderes.”

As manifestações de junho trouxeram de forma massiva ao Brasil uma característica muito comum em revoltas populares registradas em diferentes lugares do mundo nos últimos anos: a falta de lideranças claras, aspecto provocado pela própria natureza das manifestações, descoladas de organizações tradicionais, como sindicatos e partidos políticos. Em São Paulo, os primeiros atos foram convocados pelo Movimento Passe Livre, mas, à medida que ganhavam volume, ficava claro que não havia uma pessoa ou um grupo no comando das marchas. À época, isso provocou estranheza por parte de governantes como o prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), e o governador Geraldo Alckmin (PSDB), uma situação que se refletia na dificuldade de atuação da PM, aparentemente atônita com aquele quadro em que não havia com quem manter interlocução.

A essa nova situação se somaram as características tradicionais das forças policiais e da orientação dada a elas pelos comandantes, quase sempre contrários a atos públicos. Para Vianna, porém, não se trata de um desrespeito puro e simples aos direitos humanos, disciplina que está contemplada nos cursos das corporações. “É um contexto novo, a policia também tem que se adequar a essa nova situação e procurar se aperfeiçoar, e ela está fazendo isso”, diz.

vianna

Se as manifestações evidenciaram um dos aspectos conhecidos da atuação policial, de outro lado um caso se tornou emblemático do ponto de vista de outra faceta conhecida das forças de segurança brasileiras: o desaparecimento forçado. O caso do ajudante de pedreiro Amarildo, desaparecido após ser detido por policiais militares na favela da Rocinha, entre os dias 13 e 14 de julho, recordou que há uma parcela da população que sofre constantemente com a violência policial. Muitos destes casos são registrados em boletins de ocorrência como “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte”, o que, na visão de entidades que atuam na defesa de direitos humanos, é um expediente que serve para mascarar execuções. Evidência disso é que a maioria das vítimas são jovens negros de classes baixas.

Segundo Vianna, “a questão da possível discriminação em função de contextos sociais é também dentro de um contexto cultural, não é institucional”. Entretanto, em levantamento feito pela BBC Brasil, ao analisar estatísticas fornecidas pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, foi averiguado que, em 2011, a Polícia Militar de São Paulo matou seis vezes mais pessoas do que a Polícia Civil, são 43 mortes pra cada 10 mil PMs, num total de 437 mortos naquele ano.

Em 2012, segundo o Relatório sobre Direitos Humanos no Mundo, feito pela Anistia Internacional, em São Paulo, o número de homicídios cometidos por policiais aumentou após oito anos de queda consecutiva. Somente em novembro do ano passado, 90 pessoas foram mortas. O relatório ressalta que poucos desses casos foram posteriormente investigados, e pede “que as provas periciais sejam resguardadas e que as estatísticas sobre homicídios policiais sejam publicadas regularmente”.

Crimes impunes andam na contramão do objetivo de uma polícia que deveria garantir a segurança de todos igualmente. Enquanto defensores dos direitos humanos criticam a atuação violenta da polícia no país, as medidas que tentam resolver o problema demoram para serem postas em prática.  No fim de 2012 o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), colegiado que faz parte da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, entregou uma resolução que pedia a devida investigação de homicídios cometidos por policiais e que esses homicídios parem de ser registrados como “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte”.

Em São Paulo, o secretário Fernando Grella Vieira chegou a acolher a recomendação. Em nível nacional, a implementação depende da aprovação do Projeto de Lei 4.471, de 2012, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP). O projeto está pronto para votação no plenário da Câmara. Movimentos que atuam contra a violência policial estiveram esta semana em Brasília negociando com ministros e parlamentares, e saíram de lá com a promessa de que a base aliada a Dilma Rousseff apoiará a aprovação.

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