Ditadura

Comissão da Verdade de SP critica falta de ‘verdade’ em trabalhos da comissão nacional

Para presidente do colegiado estadual, deputado Adriano Diogo (PT), falta de apuração e divulgação de informações mais claras sobre agentes da repressão dificulta caminho para esclarecer violações

Mauricio Garcia de Souza / Alesp

O deputado Adriano Diogo, presidente da Comissão estadual da Verdade, lamenta falta de Justiça nos trabalhos

São Paulo – O presidente da Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva”, deputado estadual Adriano Diogo (PT), fez ontem (1º) uma crítica ao andamento dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, aberta em maio de 2012 e que está a menos de um ano do fim do trabalho de apuração.

“Se não houver consenso, acordo, maioria, sei lá o que for, na Comissão Nacional da Verdade quanto à questão da justiça, pelo menos que não se abra mão da verdade: identificação de cadeias de comando, de torturadores,de assassinos, a localização dos corpos dos desaparecidos, e forma como o fizeram. Já que o Estado e a Justiça brasileiros e a formação legal da comissão nacional não vai até a justiça, que a verdade seja exposta da forma mais radical, até suas últimas consequências.”

A declaração foi dada em audiência pública da Comissão de São Paulo sobre a imprensa de resistência à ditadura (1964-1985), na Assembleia Legislativa de São Paulo. Integrantes da CNV têm discordâncias sobre o papel que o trabalho de apuração deve desempenhar, sobre a divulgação de relatórios (se parciais ou apenas o final) e sobre o encaminhamento de denúncias ao Ministério Público Federal para que se possa processar e punir os responsáveis pela violação de direitos humanos.

A Lei da Anistia, de 1979, anistiou todos os militantes que cometeram os chamados crimes políticos durante o regime de exceção, e também os agentes de Estado. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu reafirmar que a anistia é válida para todos, mas, em dezembro do mesmo ano, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. O órgão regional considera que as violações perpetradas por agentes do Estado durante o governo autoritário não prescrevem, e devem ser alvo de investigação e punição.

Segundo o parlamentar, é necessário que sejam empregados mais esforços pela Comissão da Verdade na identificação de responsáveis pelas violações e para a efetiva revelação da verdade. “Eu queria falar em público, a todos os presentes, que estamos vivendo um momento difícil. Não só a questão da justiça está ameaçada, mas também a revelação da verdade, as coisas caminham em caminhos tortuosos e tenebrosos, e não sabemos se vamos conseguir apurar, no fim deste processo, a verdade. Isso seria uma derrota terrível do povo brasileiro.”

Esta semana, representantes da CNV se encontraram com integrantes de mais de 20 comissões estaduais e municipais da verdade. Foram debatidas possíveis formas de atuação conjunta e contribuições para o relatório final do grupo nacional. Segundo Diogo, o sentimento de descontentamento foi colocado pela Comissão Rubens Paiva no encontro. “Então essa é a contribuição que a nossa comissão está tentando dar. Se não houver justiça, que ao menos a verdade apareça.”

Tropeços

As críticas de setores ligados aos direitos humanos à CNV são cada vez mais frequentes. Reuniões fechadas e divulgações parciais dos relatórios são o principal alvo, mas a questão da revisão da Lei da Anistia também é lembrada nas análises do trabalho da comissão. Em julho, em audiência do grupo sobre violações aos direitos dos camponeses, a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) defendeu a punição de torturadores. Para ela, se os responsáveis por desaparecimentos, torturas e mortes não forem identificados e julgados por seus crimes, os esforços e resultados adquiridos através dos trabalhos das comissões da verdade estaduais, municipais e nacional serão em vão.

A parlamentar é autora de um projeto de lei que altera a Lei da Anistia, o PL 573, de 2011, que exclui do rol de crimes anistiados após a ditadura aqueles cometidos por agentes públicos, militares, ou civis, contra pessoas que praticaram crimes políticos.

Durante apresentação de relatório parcial dos trabalhos da comissão, em maio, a então coordenadora da CNV, Rosa Cardoso, e seu antecessor, Paulo Sérgio Pinheiro, lembraram que os casos de autoanistia não são válidos. A advogada lembrou que não cabe à CNV fazer um projeto de lei propondo a revisão da Lei da Anistia, de 1979, mas admitiu que o assunto pode fazer parte das recomendações a serem incluídas no relatório final, no ano que vem.

“O Brasil reconheceu a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos com enorme dificuldade”, afirmou Paulo Sérgio Pinheiro na ocasião. “É de se esperar que o Estado brasileiro cumpra na integralidade as suas sentenças, mas a comissão ainda não decidiu a esse respeito.”

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