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‘Imobilidade’ urbana causa cada vez mais doenças e perda de qualidade de vida

Médico defende que argumento a favor do transporte público seja a melhoria das condições de saúde da população. Para engenheiro, é preciso apostar em carros elétricos e bicicletas

Marcelo Brammer

Poluição causa mais mortes do que acidentes de trânsito, além de agravar os problemas de saúde

São Paulo – Deixar o carro em casa tem sido o grande desafio para milhares de pessoas que precisam se deslocar em longos percursos no dia a dia. Reduzir a distância entre a casa e o trabalho, investir em deslocamentos na superfície, com ônibus elétricos híbridos, e passar a utilizar veículos alternativos, como a bicicleta ou carros elétricos, devem colaborar para reduzir o problema do deslocamento em grandes centros. Essa é a opinião compartilhada entre os participantes do 1º Encontro sobre Mobilidade Urbana, realizado na terça-feira (10) durante o 9º Salão Latino-americano de Veículos Elétricos, Componentes e Novas Tecnologias, no Expo Center Norte, em São Paulo.

O evento apresentou soluções de deslocamento para reduzir a agressão ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, reduzir os índices de adoecimento causados pela poluição.
O agravamento de doenças e milhares de mortes por ano causadas pela poluição de pessoas expostas ao trânsito impulsiona a criação de meios de transporte que não agridam o meio ambiente e ajudem na preservação da saúde, como os veículos elétricos.

De acordo com o médico especialista em poluição atmosférica e professor da USP, Paulo Saldiva, cerca de 10% dos infartos no mundo são causados pela exposição ao trânsito e à poluição. A emissão e a concentração de gases aumentam o risco de ataque cardíaco duas vezes e meia quando se está preso no tráfego. O problema causa mais mortes do que acidentes de trânsito, e o risco de câncer é maior em países em desenvolvimento, onde não se tem capacidade de medir o índice de poluição. “Levamos São Paulo também nos pulmões, e não somente no coração”, afirma.

Ao lembrar que todas as politicas públicas sempre estiveram voltadas para transporte individual, o médico destaca que os problemas de saúde não estão apenas relacionados à exposição à fumaça, mas também ao tempo desperdiçado por causa da “imobilidade”. “Quantas horas você deixa de dormir para chegar a tempo no trabalho? Gastamos horas sem ir para lugar algum e cada vez dormimos menos e pior.”

“São Paulo está doente e estamos doentes junto com ela”, afirma o médico, “mas a doença tem um potencial de transformação. Experimenta ter um infarto para ver se você não vai mudar de vida. Todo mundo está insatisfeito com aquilo que se criou. Pela primeira vez sinto que haverá uma transformação nesse modelo de cidade e não apenas uma maquiagem. É urgente o uso de um transporte público com baixa emissão de carbono. Se você tiver um veículo a diesel, que seja híbrido”, avisa o médico. Para ele, o discurso tem de ser: se você usar transporte público a sua saúde melhora. “A poluição do ar é problema de saúde pública e a melhor vacina para a cidade é um transporte público inteligente”, afirma o médico.

A utilização do ônibus, e não do metrô, como prioridade no transporte coletivo para restringir cada vez mais o número de automóveis nas ruas é defendida pelo engenheiro civil Paulo Sérgio Custódio. Ele prega a ampliação de corredores e faixas exclusivas, em um espaço viário que, atualmente, destina somente de 8% a 10% para o transporte público. “Não há fila de ônibus nas faixas e isso causa nos motoristas de automóveis a sensação de faixas vazias enquanto o trânsito está parado. Com as faixas você passa 150 ônibus por hora, transportando no mínimo 15 mil passageiros. Eu pergunto: o vazio está onde?”

A utilização de bicicletas e carros elétricos como meio de transporte deve ganhar espaço cada vez maior nas ruas da cidade. “Precisamos começar a desenvolver as cidades, com espaço viário seguro e estacionamento para bicicletas. Incentivar 2% da população a usar bicicletas é o equivalente à construção de uma nova linha de metrô (600 mil viagens por dia)”, afirma o engenheiro.

“Vivemos o falso dilema: carro ou metrô. A resposta da mobilidade não é nenhum dos dois, embora a solução para o problema também esteja no deslocamento na superfície”, diz o ex-prefeito de Curitiba, o arquiteto e urbanista Jaime Lerner, ao destacar a importância de a sociedade desenvolver a visão de uma cidade sustentável, com estrutura de vida, trabalho e mobilidade juntos, partindo de uma visão estratégica: “Não podemos separar as pessoas da cidade, trabalho e moradia. Cada cidade tem o seu desenho, que em geral é baseado nos antigos caminhos. Se conseguirmos transformar esses desenhos em estrutura de vida, trabalho e lazer, de maneira integrada, estaremos no caminho certo.”

“Não resolvemos somente com corredores e faixas exclusivas, mas já é um bom caminho”, completa o urbanista Lerner, para quem a frequência e a redução dos intervalos entre os ônibus é a condição fundamental para a qualidade do sistema viário.

Segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) existem atualmente 7,2 bilhões de habitantes no mundo. Em 2050 esse número deve saltar para 9,6 bilhões e 70% da população mundial viverá em áreas urbanas.

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