Dia Nacional de Luta

Em diálogo inédito, moradores de rua de SP criticam violência policial e albergues

Secretário de Direitos Humanos da capital e subprefeito se encontram na Sé com moradores, que cobram ainda reformas agrária e política e pedem melhor aplicação do dinheiro público

Mariana Topfstedt/Sigmapress/Folhapress

‘Todo morador de rua tem um coração’, afirma um dos participantes. Dia de Luta lembra assassinatos em 2004

São Paulo – Para quem passou hoje (19) de ônibus ou carro nas redondezas da Praça da Sé, no centro de São Paulo, podia ser uma tarde comum: grande fluxo de pessoas, rodas de populares em torno de pastores, pessoas sob cobertores puídos. Mas uma das aglomerações era inédita. Em um pequeno palco, o subprefeito da Sé, Marcos Barreto, e o secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sottili, ouviam pessoas em situação de rua falarem, com a ajuda de um microfone, suas reclamações e sugestões para políticas públicas.

“Todo morador de rua tem um coração”. A frase poderia parecer mais um devaneio de uma pessoa que vive em extrema vulnerabilidade no marco zero da capital paulista, mas é uma declaração política feita por um homem que vive na rua e hoje teve a oportunidade de declarar isso a um representante do alto escalão da administração municipal. O DiálogoSPDH, que vem sendo promovido pela gestão Fernando Haddad (PT) com vários setores da população, hoje foi realizado a pedido do Movimento Nacional de Pessoas em Situação de Rua como uma das diversas atividades que lembraram o Dia Nacional de Luta e o assassinato de sete pessoas enquanto dormiam nas proximidades da praça, em 2004. Entre os suspeitos dos crimes estavam policiais militares e vigias que faziam a segurança para comércios locais. Um policial foi denunciado e será levado a julgamento por uma das mortes. Os outros casos foram arquivados.

Cerca de 50 pessoas, entre moradores e ex-moradores de logradouros públicos, falaram no evento de hoje. O mau uso do dinheiro público, o neoliberalismo e a necessidade de uma reforma agrária e política foram citados. “O problema do Brasil são os partidos. Eu já mandei carta para a presidenta dizendo que, se não fizer a reforma política, pode botar fogo em tudo”, disse Sebastião Ferreira. Outro senhor sugeriu vistorias em latifúndios, a maioria deles, acredita, grilados. “Tem que tirar a terra dessa burguesia. O Brasil tem terra suficiente para todo mundo viver, criar seus animais”, disse.

Mas a precariedade dos albergues, a falta de oportunidade de trabalho e moradia e a violência policial foram as questões mais citadas. “Esses ‘cão’ só atacam na covardia. Se a gente tem uma sacola, eles vêm e roubam. Humilham a gente, cospem na nossa cara”, desabafou João Bezerra.

“É triste saber que o cobertor que é dado durante o dia o rapa leva durante a noite”, acrescentou Sebastião Nicomedes, ex-morador de rua.

Muitas falas deixaram claro que os maus tratos causados pela Guarda Civil Metropolitana e pela Polícia Militar provocam revolta e podem alimentar um ciclo de violência. “Se é para morrer, nós vamos matar também”, afirmou um rapaz que se identificou como Samuel.

“Avisa para o prefeito que eu estou cansado de ser humilhado. Teve muito frio esses dias e a gente ficou com frio e ele viajando. Se não resolver, nós vamos fazer igual esse pessoal aí, e sair quebrando tudo. Porque a luta aqui não é por vinte centavos, é pela vida”, afirmou Edvaldo.

A prefeitura criou mais 3 mil vagas de acolhimento emergencial para atender a população em situação de rua durante o período mais frio do ano. No início do mês, entidades da sociedade civil ligadas à questão denunciaram que os serviços tinham uma série de problemas, entre eles a falta de camas.

Rogério Sottili afirmou ter convicção nas políticas que a prefeitura está desenvolvendo e que, ao final da gestão de Fernando Haddad, os resultados serão evidentes. Para ele, o regramento diferenciado nos locais de atendimento emergencial é positivo e pode ser estendido para outros albergues da cidade. “A gente não pode mais acordar uma pessoa em situação de rua que está lá às 6h porque já acabou o tempo dela. Eu acho que essa experiência que estamos vivendo hoje nesse regramento extraordinário, de emergência, já mostra que, nos albergues, o acolhimento tem que mudar.”

Ele chamou atenção para que, em oito meses, os relatos de violência se concentram na Polícia Militar, de responsabilidade do governo do estado, e não na GCM, órgão da alçada municipal. “A Polícia Militar está exercendo um papel que não é dela. Ninguém está pedindo que não seja abordada pela polícia, o que se está pedindo é que ela não seja agredida, violentada, desrespeitada. Quando eles vêm aqui e falam com muita raiva, é compreensível. Eles nunca tiveram esses espaço para falar em praça pública com uma autoridade”, afirmou o secretário.

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