Jornada Mundial da Juventude

Perfil dos jovens peregrinos traça a diversidade da fé católica

Da Ordem Franciscana à Opus Dei, diversidade entre jovens católicos também se manifesta nas opiniões sobre relações homoafetivas, aborto e abusos cometidos por líderes religiosos

Camila Estrada e seu grupo que veio do Chile para participar da Jornada Mundial da Juventude Católica, no Rio  <span>(Luciana Whitaker/RBA)</span>Grupo de peregrinos angolanos na Jornada Mundial da Juventude ampliam leque de opiniões sobre diversidades <span>(Luciana Whitaker/RBA)</span>À frente de religiosas que vieram do interior de Minas Gerais, Ana Paula de Almeida participa da jornada de jovens católicos <span>(cc/Luciana Whitaker)</span>Jesus Hoe Cortes Montemayor, dos EUA: 'revolução da igreja deve se dar pelo amor' <span>(Luciana Whitaker/RBA)</span>

Rio de Janeiro – Os peregrinos que se aventuraram pela cidade do Rio de Janeiro ontem (24) enfrentaram muita chuva e o dia mais frio do ano. Nem por isso deixaram as bandeiras de seus países em casa. Para além de diversas nacionalidades, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) reúne jovens de diferentes correntes religiosas e com posições divergentes sobre a moral cristã.

O casal de namorados da Indonésia, Hesha Erika Hardjono, 20 anos, e Mario Martin Somba, 25, levou quase três dias para chegar ao Brasil. “É uma longa viagem. Estamos cansados, mas a excitação é tão grande que a gente nem sente”, diz Mario.

Eles fazem parte de uma minoria de 3% de católicos em um país com cerca de 250 milhões de habitantes, 88% islâmicos. “Somos discriminados. Recentemente a nossa igreja foi queimada. O responsável não foi punido. Isso só aumentou a nossa fé religiosa”, explica Mario.

Estudantes da Universidade Católica de Jacarta, eles defendem a pílula do dia seguinte. “Nós somos muito pobres na Indonésia e a taxa de natalidade é altíssima. Por isso, não se fala em proibição do uso de contraceptivos; é uma forma de limitar o número de filhos por família”, e, acrescenta, “Abortar também é errado. Porém, não concordo que o Estado prenda que faz um aborto. Essa é uma questão entre a pessoa e Deus”.

Já para os religiosos envolvidos em pedofilia, assédio sexual ou corrupção, Mario defende a punição: “Mas não estou certo sobre como puni-los. O mais importante é que eles sejam um bom modelo para as pessoas da paróquia”.

Sobre casamento homoafetivo, o estudante de marketing diz: “A igreja não pode escolher com quem cada um quer casar e, se a pessoa quer ficar com alguém do mesmo sexo, é um direito dela, mas, como conservador, não apoio”. Pergunto: “E sexo antes de casamento?”. Apaixonados, o casal se entreolha por alguns segundos. É Mario quem responde: “A Indonésia é um país muito conservador. Faz parte da cultura a desaprovação do sexo antes do matrimônio”.

O caminho de Ana Paula Pereira de Almeira, 26, foi completamente diferente dos namorados indonésios. Contra a vontade da mãe, aos 18 anos ela deixou o conforto de casa, em Barra Mansa, no interior do RJ, para fazer os votos de castidade, pobreza e obediência. “Desde criança quis ser religiosa. Então decidi seguir os passos de São Francisco e Santa Clara de Assis. Hoje trabalho com a educação de crianças pobres em Mateus Leme (MG)”.

Ela afirma que se a igreja decidisse apoiar o casamento homoafetivo, “como cristã, também apoiaria”. Sobre o aborto, a jovem acredita que “cabe à Justiça ver o que é certou ou errado sobre esta questão”. Quando o assunto é a pílula do dia seguinte, a irmã defende que é “uma decisão dos superiores maiores”: “A gente é apenas adepto daquilo que a Igreja coloca.”

Para Ana, a JMJ é “um grande movimento de fé e de união entre raças”. “Aqui somos todos iguais. A gente não tem discriminação. É uma esperança muito grande de um mundo melhor, igualitário, de justiça, de fraternidade e de paz. É o que a juventude quer, pede e espera”, conclui.

As diferenças entre Jesus e Maria

Moradoras de cidades fronteiriças, a paraguaia Diana Baez Molina e a argentina Maria Dolores San Martin fazem parte de uma caravana de 12 meninas da Opus Dei. Considerada uma das correntes mais conservadoras da Igreja Católica, a Opus Dei tem entre seus adeptos inúmeras figuras públicas em espaços de poder. Entre os brasileiros, o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) é um dos mais conhecidos.

Sobre o aborto, “cada um sabe o que faz, porém o juízo é diante de Deus e não da Justiça”, alega Diana. O grupo também defende que haja uma punição rigorosa para religiosos que pratiquem pedofilia, assédio sexual e corrupção.

Peço para que alguém defina o que é a Opus Dei. “É tratar de santificar a vida, a nossa profissão e conhecer a Deus. Ser contrário ao uso de contraceptivos e ao homosexualismo é seguir Cristo. Se mudarmos o que foi Jesus, não estamos sendo cristãos. Se Cristo é a verdade, porque vamos mudar isso? Vamos seguir a verdade”, explica a conterrânea do papa Francisco.

Ironicamente, o estadunidense Jesus Hoe Cortes Montemayor, não compartilha das opiniões de Maria. Adepto do movimento de Schoenstatt, ele defende que “a juventude tem que revolucionar a igreja através do amor”. Aos 21 anos, o estudante de Administração de Empresas do Texas foi um dos poucos que carregou a cruz peregrina de 3,8 metros na cerimônia de abertura da JMJ, realizada na noite desta terça-feira (23). “Foi um orgulho tremendo.”

No que diz respeito ao aborto, reconhece o paradoxo da posição católica. “A Igreja entende que o aborto é contra a lei de Deus. Por outro lado, proclama a compaixão. Mais do que prender e oprimir, deve-se educar. Infelizmente, a Igreja não é favorável à contraceptivos”, lamenta. Quem merece cadeia, segundo Jesus, são os maus padres.

“A verdade é que a Igreja é muito lenta para julgar os casos [de pedofilia e corrupção]. A hierarquia da instituição não é como de uma empresa corporativa. É preciso ser muito mais transparente e efetivo com as punições. Queremos a justiça”, argumenta.

Para o sacerdote espanhol, Juan Pablo Moreno, 38 anos, o papa Francisco traz novidades para os católicos. “Realmente a Igreja tem que se abrir. Estamos em uma sociedade no século 21 e é preciso, pouco a pouco, abrir campos novos de modernidade que o papa, gradativamente, nos dirá.”

O Brasil fora da TV

Palmira Domingos e Maria Helena Capemba são uma das muitas jovens entre os 700 angolanos hospedados em escolas públicas, na Ilha do Governador, a 20km do centro do Rio. Majoritariamente católico, o país africano é fã de novelas brasileiras.

“O canal da televisão pública está passando agora Passione”, informa Maria Helena. “Mas o Brasil das novelas não tem nada a ver com o país que estamos conhecendo agora. O namoro, a exposição do corpo, não é tanto quanto vemos nas novelas. Aqui é outra realidade”, diz.

Pela primeira vez no Brasil, Palmira afirma que Angola e Brasil tem “laços étnicos muito comuns, inclusive entre a juventude católica”. Ela confirma a fama que todos os outros entrevistados destacaram sobre a hospitalidade brasileira: “Estamos sendo tratados muito bem por todo mundo”, e torce para que o típico clima ensolarado retorne ao Rio: “Está muito frio”.

A Jornada Mundial da Juventude iniciou nesta segunda-feira (22) e segue até domingo (28) na capital fluminense. A organização recebeu 375 mil inscritos, vindos de 175 países, sendo 220 mil inscrições brasileiras. O evento, realizado a cada dois ou três anos, promove um encontro internacional de jovens católicos com o papa. A última edição ocorreu em 2011, em Madri, na Espanha, e reuniu cerca de 2 milhões de pessoas, de mais de 190 países. O JMJ 2013 também marca a primeira visita do papa à América Latina desde sua nomeação, em 13 de março.

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