zero grau

Frio paulistano põe em xeque estrutura de atendimento a morador de rua

Sistema de acolhimento precisa ser repensado e melhor organizado, avaliam entidades que lidam com essa população

São Paulo – As baixíssimas temperaturas dos últimos dias colocaram em xeque as políticas e as estratégias para o atendimento da população de rua na cidade de São Paulo. Devido ao frio rigoroso, a prefeitura abriu três mil vagas emergenciais em albergues, chegando a 12 mil no sistema de acolhimento. Na primeira noite da ação, terça-feira (23), 9,5 mil pessoas foram levadas a um dos 16 albergues da cidade. Quarta, quinta e sexta, foram 11 mil.

Mesmo assim, até o início da noite de ontem (26), havia a suspeita de que sete pessoas podem ter morrido devido às condições climáticas, que chegaram a provocar sensação térmica de 0°C. Em alguns casos, não está claro se os mortos estavam em situação de rua, apesar de terem sido encontrados em locais públicos.

Para o coordenador da Pastoral de Rua de São Paulo, padre Julio Lancellotti, as estruturas existentes têm dificuldades para se adaptar às demandas reais da população de rua.

“Foi feita uma preparação, mas uma preparação clássica que não trouxe novas respostas, novas práticas”, avaliou. “Foi uma situação emergencial, com respostas emergenciais.”

Para ele, é preciso ampliar o diálogo e a participação de entidades na elaboração das ações, mas acrescenta que se trata de uma política pública difícil.

“A gente sugeriu que fossem dadas respostas em unidades menores, descentralizadas. Em vez de fazer uma grande, que se fizessem três ou quatro pelas regiões. Mas se já estão com dificuldades operacionais em uma só, imagine em várias”, reflete.

Lancellotti aponta que as entidades e poder público têm dificuldades de responder à demanda da população.

“As políticas têm que ser mais voltadas para as pessoas e menos burocratizadas, devem compreender as demandas reais, como a necessidade de abrigos para mulheres com filhos, famílias, casais, inclusive os casais homoafetivos”, afirma.

Segundo o padre, esses grupos encontram problemas para serem acolhidos. A maioria dos albergues faz separação por sexo e entre crianças e adultos, o que diminui a procura.

Denúncias

Além das questões estruturais, operação Baixas Temperaturas, da prefeitura, também estaria apresentando problemas no atendimento direto, segundo a secretária-executiva do Centro Gaspar Garcia e membro do Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua, Carolina Ferro.

Ela disse que entidades saíram às ruas durante as últimas madrugadas e se depararam com uma série de problemas. Entre eles, a suposta falta de atendimento em tradicionais pontos de concentração de pessoas, como Baixada do Glicério, Parque Dom Pedro e a região do Mercado Municipal, e a escassez de camas para aquelas que aceitaram ir para um dos abrigos abertos emergencialmente, na sede da Defesa Civil, em Santana, e por isso tiveram que dormir em colchões colocados diretamente no chão. Nos albergues, os acolhidos devem receber jantar e café da manhã, cobertor, cama e kit de higiene pessoal.

Carolina Ferro classificou a falta de infraestrutura como um “absurdo”.

“Na quinta, nenhuma linha telefônica da Cape (Central de Atendimento Permanente e de Emergência), que é a responsável pelo transporte de pessoas aos abrigos, estava funcionando. Havia peruas da Cape circulando apenas com o motorista, sem o educador popular, cuja presença é obrigatória para que se faça o transporte. Isso é um completo absurdo”, disse.

A prefeitura refutou as denúncias e afirmou que o motorista teria saído sozinho em um pronto-atendimento do próprio Gaspar Garcia.

Segundo a assessoria da administração municipal, há 15 peruas, motorista e dois orientadores sócio-educativos disponíveis para operação. A equipe da Cape conta 77 funcionários. Quando ocorria algum problema na transferência da ligação da linha 156 para a Cape, segundo a assessoria, o procedimento adotado foi anotar a solicitação e em seguida transmitir a ocorrência diretamente para a mesa da coordenação da central, que enviava a equipe ao local. Já sobre os pontos de concentração de pessoas em situação de rua citados na denúncia, a assessoria afirma que eles fazem parte do roteiro da equipe de abordagem Sé e que a ronda pode ter acontecido antes ou depois da visita dos grupos.

Carolina garante que a prefeitura está sendo informada sobre os problemas e avalia que providências estão sendo tomadas, como o deslocamento de ônibus para realizar o transporte das pessoas acolhidas. Ainda assim, ela se queixa da falta de planejamento.

“O que nos deixa muito frustrados é que, desde maio, temos pautado a necessidade de ter um plano e isso não aconteceu. E todos os erros acontecem quando se planeja em cima da hora”, afirma. Segundo a prefeitura, as reuniões preparatórias da operação ocorreram em abril. Em maio, a Coordenação de Proteção Especial apresentou ao Comitê o plano de ação para as baixas temperaturas, com participação do Ministério Público.

Modelo

Para o padre Lancellotti, apesar dos problemas do abrigo de Santana, o espaço, que recebeu 1270 acolhidos em três dias, aponta para um modelo que atrai mais as pessoas em situação de rua.

“Ontem (25), uma cama foi designada para um homem, mas ele disse que queria deitar perto do amigo dele. Daí ele puxou o colchão e foi para lá. Em um abrigo normal isso não aconteceria”, exemplifica.

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