Violência policial

Uso da força revela despreparo da Polícia Militar em conflitos

Em debate na FGV, especialistas veem ausência de grupos com atribuição especial para atuar em manifestações. O que há é remanejamento de efetivo policial despreparado par negociar

cc/ midia ninja

Truculência policial também foi uma das marcas das manifestações de junho em diversas cidades do país

São Paulo – O grande desafio da Polícia Militar está centrado no uso da força e a falta de preparo para negociar antes e durante manifestações públicas. Debate tendo como pano de fundo os protestos em São Paulo nas últimas duas semanas foi realizado na tarde de ontem (24), na Fundação Getúlio Vargas (FGV), na capital.

A coordenadora de Gestão Pública e Novos Estudos do Instituto Sou da Paz, Carolina de Mattos Ricardo, observou que em 2011 mais de 426 manifestações foram realizadas no centro da cidade. “A própria presença uniformizada da PM já é um nível de força, assim como sua capacidade verbal e o seu armamento. Precisamos de uma polícia que saiba lidar com esses níveis de força e, principalmente, o nível de força coletiva, mas sei que não é fácil ter homens preparados para essa negociação”, lamenta.

Considerando que a segurança pública é historicamente tratada como problema de polícia no Brasil, o assessor da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e promotor de Justiça Fábio Bechara ponderou: “Segurança é um dever do Estado e responsabilidade de todos. As forças municipais, estaduais e federal devem estar integradas e interagir no reconhecimento do problema e na construção de uma solução”.

Bechara enfatizou as falhas e o abuso de força da Polícia Militar. Para ele, é necessário construir uma política única de governança, fazer com que o ambiente de fragmentação entre as polícias seja cada vez mais combatido. “As polícias precisam se ver nas semelhanças e a partir de um modelo padrão de governança. Isso implica integração nos sistemas de informação, unificação com tratamento e formação padronizada. A formação da Polícia Militar, militarizada como é hoje, vem sofrendo processo contínuo de alteração.”

As manifestações públicas demandam uma resposta pública, segundo análise da representante do Instituto Sou da Paz Carolina de Mattos. “O governo deve chamar a responsabilidade para si, com uma resposta pública e clara, chamando para o diálogo. A polícia é o braço armado do Estado, que responde a um poder político e não pode ser a única representante de autoridade presente nessas manifestações. Quando isso acontece o risco de haver problemas é muito maior”, analisou.

Parte da violência da polícia na rua se dá por conflitos internos na própria corporação, na opinião da pesquisadora Viviane Cubas, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Para ela, as manifestações em São Paulo, infelizmente não trazem fatos novos, uma vez que a atuação violenta da polícia “está vastamente documentada em relatórios internacionais”. “Conciliar a tarefa de manter a paz e a ordem com respeito à lei parece que ainda não é uma tarefa que vem sendo bem cumprida pela polícia de São Paulo.”

Viviane citou como exemplo o departamento de polícia de Vancouver, no Canadá – onde há cerca de 300 manifestações por ano –, que tem um guia com orientações e procedimentos especialmente voltados a lidar com manifestações públicas. O guia tem sete itens como base de trabalho, entre eles a proteção das pessoas em primeiro lugar e depois do patrimônio, ações fundamentadas para o policial fazer uso da força, de acordo com a ameaça que encontrar, manutenção de comunicação com lideranças, com o público e com a imprensa, o que dá um caráter co-gestor à manifestação, e assim passa a ser vista não como uma força de confronto, mas sim de contribuição.

Cantar a bola

A informação seria a base de uma boa relação entre manifestantes e a polícia na avaliação da major da reserva da Polícia Militar de São Paulo Tânia Pinc, pós-doutoranda em administração pública. Ela defende que manifestantes informem detalhes, como data, horário, local e trajeto do protesto com antecedência para que a PM faça um planejamento. “As pessoas devem avisar com ao menos cinco dias de antecedência à CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), para não comprometer o trânsito na cidade”, exemplificou.

“Eu desconheço qualquer polícia no Brasil, incluindo a de São Paulo, que tenha um grupo de efetivos que atue especificamente nessas ações. Quando existe uma manifestação o serviço policial é todo desarticulado. Muitas vezes os policiais que trabalham no administrativo também saem para trabalhar numa ação como essa”, relatou Tânia.

Para Tânia, a PM resgata os parâmetros definidos pela Constituição Federal para as pessoas exercerem o direito à manifestação sem armas, de forma pacífica. “A responsabilidade é preservar a ordem pública, mas a lei não especifica exatamente o que a polícia deve fazer na manifestação pública, o que torna o parâmetro muito amplo e abre enormes possibilidades de escolhas da polícia”, observa a major. “Tudo o que a polícia construiu até agora foi colocado em xeque. A polícia não está preparada para lidar com essa nova demanda, esse novo modelo de manifestação.”

Questionado sobre a possível infiltração de policiais ou agentes públicos nas manifestações, Fábio Bechara não negou a prática. O promotor argumentou que é necessário haver mecanismos de controle que fortaleçam a possibilidade de vigília por parte do agente público.

O assessor Secretaria de Segurança Pública de São Paulo disse que nas próximas ações o órgão vai manter seu protocolo padrão de estabelecer o dialogo constante com as lideranças e fazer a intervenção de maneira proporcional. “Cada situação deve ser olhada na sua peculiaridade para evitar abusos e para que o estado não se apresente de forma omissa.”


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