Repercussão

Analistas sugerem cortes em publicidade e em lucros de empresas

Decisão de rever preços das passagens é comemorada, mas prefeito e governador são criticados por alegar possível sacrifício em outras áreas

Jailton Garcia/Arquivo RBA

Empresas mantêm passageiros sob condições precárias de transporte público como forma de manter lucros

São Paulo – Parlamentares, militantes e especialistas ouvidos pela RBA comemoraram o anúncio conjunto feito hoje (19) pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e o governador do estado, Geraldo Alckmin (PSDB). Depois de quase duas semanas de protestos populares pelas ruas da capital, o petista e o tucano decidiram recuar no reajuste da tarifa do transporte público cobrado dos paulistanos. A partir da próxima segunda-feira (24), a passagem de ônibus, trem e metrô na cidade voltará a custar R$ 3 – e não mais os R$ 3,20 cobrados desde o último dia 2.

“A maneira como a revogação do aumento foi conquistada foi incrível”, expressou Rose Nogueira, presidenta do Grupo Tortura Nunca Mais São Paulo. “Não existe maior prazer do que ir para as ruas, exercer nossa cidadania e sermos atendidos.”

O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) avalia que o Movimento Passe Livre (MPL), que convocou as manifestações contra o reajuste, conseguiu criar empolgação e mobilizar muita gente. “É um movimento justo”, observa. “Agora precisamos debater se a prefeitura, ao congelar o preço da passagem, terá condições de atender outras reivindicações da sociedade.”

Ao anunciarem a redução da tarifa, tanto Alckmin como Haddad assinalaram que terão de retirar recursos de outras áreas da administração para aumentar os subsídios ao transporte público. O prefeito repetiu, assim, o teor das declarações que emitira pela manhã, em entrevista coletiva. “Por isso, estava cético de que veríamos a revogação do reajuste ainda hoje”, surpreendeu-se Pablo Ortellado, professor do curso de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo, para quem o anúncio conjunto do petista e do tucano está carregado de um simbolismo ruim. “O prefeito perdeu a oportunidade de reconhecer as demandas legítimas do movimento social e anunciar o fim do aumento ao lado da população. Haddad se colocou do outro lado da mesa.”

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Ortellado destaca que a pouca idade dos membros do MPL – movimento formado basicamente por estudantes secundaristas e universitários, alguns com menos de 20 anos – não prejudicou a mobilização. “São jovens, mas se mostraram gigantes da política.”

O professor da USP ressalta que as grandes responsáveis pela queda do reajuste foram as milhares de pessoas que foram às ruas. E lembra que o Passe Livre exerceu papel importante canalizando a indignação popular para uma pauta clara – a redução da tarifa. “Eles praticamente não erraram.”

Experiência

Ortellado acredita que essa “competência” não saiu da cartola: se deve aos dez anos de luta em prol do transporte público, desde a chamada Revolta da Catraca, que tomou as ruas de Florianópolis em 2003. “Isso permitiu ao movimento conduzir o processo com responsabilidade e liderança.”

O professor acredita que o próximo passo da mobilização vai depender de como a prefeitura e o governo estadual irão concretizar a redução da tarifa: se retirando recursos de outras áreas ou apelando para dinheiro federal. “O caminho da municipalização da Cide, imposto que incide sobre os combustíveis, é bom”, ressalta, lembrando uma das propostas de Haddad. “Tira recursos do transporte privado para injetá-los no público. Tem efeitos sociais e ecológicos interessantes.”

O engenheiro Lúcio Gregori, ex-secretário municipal dos Transportes na gestão de Luiza Erundina, criticou os governantes. “Parece que estão dizendo: vocês ganharam, mas serão punidos por isso. Politicamente, é um desastre”, cutucou. “Tanto a cidade como o estado têm recursos para manter o preço da passagem e não prejudicar os demais serviços públicos. Se cortarem um pouco das verbas para publicidade não-obrigatória, terão recursos adicionais. E também se impuserem lucros menores aos empresários do setor, que até agora têm sido poupados.”

Defensor da tarifa zero para o transporte público, Gregori comemora a vitória conseguida nas ruas como uma demonstração da democracia participativa – que não se limita apenas ao voto de dois em dois anos. “Ficou provado que, sim, havia possibilidade de redução tarifária. Isso significa que a mobilidade urbana deve passar a ter outro tratamento”, argumenta. “O transporte público deve passar a ser um direito social, como saúde, educação, habitação, aposentadoria etc. Quando entendermos isso, passaremos a encarar o financiamento da tarifa de outra maneira: o custeio de ônibus, trem e metrô deve ser progressivo até chegar a zero. É um caminho longo, mas é possível. Trata-se mais de decisão política, e não técnica.”

Em nota, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, afirmou que as manifestações populares que tomaram o país na última semana comprovam os avanços democráticos conquistados pelos brasileiros. “Recomendamos aos nossos governos que encontrem uma resposta necessária, que, no curto prazo, reduza as tarifas dos transportes e, num médio prazo, em conjunto com os governos estaduais e federal e com ampla participação popular, discuta soluções para um novo financiamento público da mobilidade urbana.”

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