Protestos apressam votação da lei de crimes de terrorismo no Brasil

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Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr

Para especialista, o projeto abre brecha para classificar como terroristas integrantes de movimentos sociais

Porto Alegre – Incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado poderá ser enquadrado como terrorismo no Brasil. Está prevista para esta quinta-feira (27) a votação do Projeto de Lei 728, de 2011, que tipifica o crime de terrorismo, ainda não regulamentado no país. O texto será colocado em pauta em pleno contexto de sucessivos protestos nos estados brasileiro que estão sendo respondidos de forma repressiva pelo braço armado do estado.

O motivo da urgência na aprovação, segundo a Comissão Mista que discute o tema no Congresso Nacional, é a proximidade da Copa do Mundo de 2014. Especialistas avaliam como temerária a proposta, uma vez que aponta para os problemas da segurança urbana soluções com base na Lei de Segurança Nacional. “Isto é retroceder ao estado de exceção”, critica o professor de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Eduardo Pazinato.

A Constituição Federal prevê o crime de terrorismo, mas não estabelece pena nem tipifica as ações. Apenas a Lei de Segurança Nacional, editada na década de 1980, menciona o terrorismo, mas ainda com redação feita durante o regime militar. Porém, a minuta do texto em iminente aprovação no Congresso tem referência no texto da reforma do Código Penal e outros 43 projetos de lei, além de nove tratados, protocolos e convenções internacionais. Os crimes de terrorismo serão imprescritíveis, com pena cumprida em regime fechado, sem benefício de progressão e devem variar de 24 a 30 anos de cadeia.

Será considerado terrorismo ainda as ações que provoquem pânico generalizado praticadas por motivos ideológicos, políticos, religiosos e de preconceito racial, o que abre brecha para classificar como terroristas integrantes de movimentos sociais que cometerem crimes durante protestos públicos, acredita o coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da UFSM, Eduardo Pazinato. “Este texto acompanha a tendência internacional de lei e ordem que propõem mais leis penais para resolver problemas contemporâneos. Por meio do discurso da pacificação, se aumenta a criminalização das pessoas e os encarceramentos. Utilizar o paradigma da segurança nacional para regular a segurança urbana proporcionará a criminalização dos movimentos sociais, uma vez que parte de um movimento de massa poderá ser entendida como terrorismo”, explica.

Ou seja, se a nova lei já estivesse em vigor, os manifestantes que invadiram as ruas do país nos últimos dias contra o aumento da passagem e a postura repressiva da polícia militar poderiam ser enquadrados como terroristas em razão de algumas práticas excessivas. “Isto é temerário nesta conjuntura de grandes eventos no país, em que inúmeras reivindicações populares surgem nas ruas. Está se preconizando mais uma vez um novo tipo penal para aumentar penas e reduzir direitos de minorias que serão enquadradas como praticantes de delitos, ao invés de buscar resposta para as cobranças da sociedade que não sejam por meio da criminalização”, avalia Pazinato.
“Repressão é resposta política dos governos contra a mobilização social”, critica ativista gaúcho

Para o ativista em Software Livre, Marcelo Branco, que esteve nos diversos manifestos realizados em Porto Alegre no último período, “o 1% que faz quebra-quebra nos protestos são pessoas marginalizadas pelo próprio estado e que cansaram de cobrar nas manifestações’. De toda forma, ele reconhece que tais práticas não podem ser toleradas pelas autoridades, porém ressalta que responder com mais autoritarismo é a pior escolha do estado. “A violência policial em relação aos protestos que estão acontecendo em Porto Alegre e em todo o país não se justifica. Mesmo se concordamos ou não com a razão dos protestos, reivindicar pacificamente nas ruas é algo legítimo. A luta popular já deixou de ser em relação ao preço das passagens, é para cobrar a resposta dos governos a esta brutal repressão que se ergueu no país”, fala.

Segundo o ex-coordenador da campanha da presidenta Dilma Rousseff na internet, as redes sociais possibilitaram uma nova organização social das lutas no mundo, que não pode ser controlada pelo estado. E esta, seria a principal razão de uma reação tão extrema por parte das autoridades. “Eles não tem líderes definidos, porque a organização é horizontal na rede, então, agem de forma generalizada com bombas, gás e balas de borracha contra civis desarmados”, qualifica Branco.

Na visão do especialista em segurança pública Eduardo Pazinato, os chamados ‘novíssimos movimentos sociais’, organizados pela internet, não tem a mínima semelhança com práticas terroristas para se justificar uma legislação neste sentido no país. “O terrorismo é uma ação coletiva por um propósito de conjuntura onde se aplica a violência de forma deliberada. Não é o que estes movimentos pretendem. A dinâmica deles é uma luta democrática que não pode ser encarada com endurecimento penal máximo. Isto é uma atitude populista do governo que busca atingir o senso comum demonstrando ‘eficiência do estado’ para enfrentar a questão da violência. Isto é o que está declarado nesta votação em meio aos protestos. O que é equivocado, pois não há direito à segurança sem a garantia da segurança a outros direitos fundamentais”, salienta.

O presidente da comissão de consolidação de leis e de dispositivos constitucionais, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), disse que a intenção da proposta não é e nem nunca foi criminalizar movimentos sociais. “Nossa Constituição é genérica neste ponto e precisamos deixá-la clara justamente para evitar que juízes possam interpretar que ações de massa são terrorismo, especialmente agora que teremos grandes eventos, pessoas de vários lugares do mundo. É preciso regulamentar”, defende.

Segundo Vaccarezza, a comissão mista para regulamentação das leis nacionais ainda está debatendo a matéria e aceita sugestões pela internet. “No site do Senado está a minuta do projeto e queremos a contribuição de todos. Estamos falando com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e vamos falar com o ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo) e com o Supremo Tribunal Federal (STF)”, fala.

No dia 18 de junho, o deputado esteve reunido com o relator do texto no Senado Federal, senador Romero Jucá (PMDB-RR). A intenção da comissão é votar o texto nesta semana. “Se não for possível, aguardaremos e reapresentamos mais tarde”, garante Vacarezza.

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