Novas lideranças

‘O medo é conservador’, diz jovem ativista

Estudante de Ciências Sociais e participante ativo das manifestações em São Paulo diz que a direita não deve inibir disposição de ir à luta nas ruas

Reprodução

“Polícia Militar é uma herança sórdida que sobrou da ditadura militar”, diz militante

São Paulo – Uma das principais virtudes das manifestações que sacudiram o Brasil na última semana, apontada por cientistas políticos, é que o país está carente de novas lideranças e, nesse sentido, os vários movimentos em que a onda de protestos se fragmentou podem ser um “caldo de cultura” para que novos líderes sejam forjados.

Estudante de Ciências Sociais da USP e militante do movimento Juntos!,  o estudante Gustavo Rego, de 23 anos, ativo nas manifestações em São Paulo na última semana e filiado ao PSOL, demonstra que essa aposta faz sentido.

Segundo ele, as manifestações se revelaram “um bom momento para derrubar oligarquias atrasadas, como Renan Calheiros, Sarney, Maluf, ou Marco Feliciano”. Rego diz que elas também deixaram claro que “o povo não tolera repressão policial, não quer ser reprimido pela polícia quando vai a manifestação”. A Polícia Militar, lembra o jovem, “é uma herança sórdida que sobrou da ditadura”.

Para ele, o risco de a direita se apropriar do movimento existe. “Mas eu acho que a gente não pode ter medo, porque o medo é conservador.”

Rego deu a seguinte entrevista à RBA:

A direita pode se apropriar do movimento?

Faz todo sentido que as pessoas estejam preocupadas com a infiltração da direita no processo.  Faz parte de um momento tão rico como esse que ele ganhe rumos complexos. Mas eu acho que a gente não pode ter medo, porque o medo é conservador. É conservador quem tem medo das massas na rua, se mobilizando. Esse é o maior risco, não tanto o risco da direita ter participado dos atos, mas o risco sobretudo das pessoas ficarem com medo disso e deixarem de participar. A mobilização pode ganhar uma feição de direita? Pode. Mas não pode nos amedrontar. O medo de ir para rua, para lutar, é o principal perigo.

Eu acho que existe uma tentativa de intervenção da direita, mas não acho que o movimento seja de direita, porque é difícil encontrar unidade em um movimento com tantas motivações internas. Mas, se é possível tentar encontrar as bases ideológicas desse movimento, acho que é em primeiro lugar a falência das instituições, que fica evidente pelos ataques aos palácios de governo, aos bancos e também aos partidos, lembrando que as pessoas não diferenciam os partidos de esquerda como PSOL e PSTU dos demais. Quando atacam PSOL e PSTU, na consciência delas, estão atacando as instituições formais. Em segundo lugar tem a questão da horizontalidade, as pessoas não aceitam a autoridade, querem exercer a democracia diretamente, o poder para o povo. E sobretudo existe um esgotamento do modelo de desenvolvimento, não só no Brasil, que aqui é aplicado pelo PT.

Você acha legítimo as pessoas atacarem a prefeitura, picharem  monumentos de arte?

Não acho, mas um partido como o PT, que historicamente sempre defendeu as demandas da população, da classe trabalhadora, eles têm que entender que é uma revolta popular contra um estado de coisas e a solução que se esperava desse partido não era a solução policial, que o Haddad também defendeu, mas que criassem maiores direitos, uma saída política. Está provado que a polícia não vai resolver do vandalismo. São manifestações de milhões agora. O que é capaz de conter o vandalismo é os seus governantes atentarem para a voz do povo na rua e adotarem um novo modelo de governo que seja mais ousado com as demandas e que haja participação direta do povo nas decisões. Os governantes precisam parar de dizer que a tarifa zero é uma utopia e começar a colocar isso como proposta séria.

Mesmo com a ameaça de a direita se apropriar do movimento e depois que Alckmin e Haddad reduziram as tarifas, você acha que o movimento tem de continuar na rua?

Acho que sim, porque o movimento está lutando contra essa lógica de os políticos, a classe dominante, os empresários, adotarem as medidas em favor próprio ignorando que o povo existe. O povo está dizendo: “Não nos ignorem!” É como se o povo dissesse: estou passando fome e vão gastar bilhões de reais em estádios para as grandes empreiteiras?

Mas a mídia divulga a versão de que são gastos bilhões sem dizer que haverá enorme retorno de várias formas, em emprego, arrecadação de impostos, turismo, serviços.

Parte dos estádios da Copa estão sendo construídos em lugares onde dificilmente poderão ser aproveitados, como em Mato Grosso, Brasília. Em segundo lugar, é dinheiro público, do BNDES, para que empresas particulares como a própria Fifa lucrem em cima disso, e estádios que vão ser entregues para a iniciativa privada. Sobre as manifestações, o povo não tolera repressão policial, não quer ser reprimido pela polícia quando vai a manifestação.

Isso é uma herança sórdida que sobrou da ditadura, lembrando que a Polícia Militar foi formada na ditadura e tem muito da sua sistemática e do seu pensamento forjado naquele tempo. É um bom momento para a gente derrubar aquelas oligarquias atrasadas, como Renan Calheiros, Sarney, Maluf, ou o mais novo, Marco Feliciano. As manifestações estão mostrando que não há espaço na política brasileira para esses governantes que agem sempre com uma espécie de surdez às reivindicações do povo. O PT sempre foi um vetor, uma vanguarda na luta popular, por direitos, e está na via contrária a essas mobilizações de rua.

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