Preocupações

Debate na USP alerta para perigo de pauta difusa e necessidade de reformas

Professores afirmam que apropriação de protestos pela mídia tradicional e por interesses conservadores leva a dificuldade em prever os próximos passos. Marcos Nobre pede reforma política urgente

Danilo Ramos. RBA

De uma semana para cá, o apoio da mídia tradicional provocou uma mudança no tom dos atos

São Paulo – O crescimento dos protestos nos últimos dias e o surgimento de reivindicações variadas e antagônicas leva à necessidade de vigilância para que o resultado disso não seja um retrocesso no processo de construção da democracia brasileira. Reunidos ontem (21) na USP, debatedores mostraram que o momento atual pode ser lido de maneiras muito diferentes, mas que de modo geral as marchas da última quinta-feira (20) difundiram o temor de que o momento atual seja capturado por interesses contrários à vida democrática.

“Esses jovens não são de direita, são gente despolitizada que todos na família temos. Chamamos para as ruas pessoas que cresceram vendo o Jornal Nacional e lendo a Veja“, disse o professor de Políticas Sociais da USP Pablo Ortellado, que também é um dos fundadores do Movimento Passe Livre. Responsável por iniciar os protestos que desembocaram na revogação do aumento da tarifa de transporte público em dezenas de cidades brasileiras, o movimento anunciou ontem que não vai convocar novas manifestações em São Paulo, preocupado com as vozes antidemocráticas surgidas no meio da última passeata.

Para Ortellado, a mobilização mudou de rumo após a repressão policial na capital paulista e no Rio de Janeiro, há pouco mais de uma semana, na quinta-feira (13). De lá para cá, houve um alinhamento midiático simpático aos manifestantes e com sugestão de que fossem incorporados novos temas ao debate. “Essa proposta de um meio de comunicação encontrou eco nos manifestantes, levou novos manifestantes às ruas, o que, por um lado, deu enorme dimensão ao movimento, mas, por outro, gerou uma enorme difusão de pautas que está provocando um processo muito confuso, que a gente não sabe para onde vai, na verdade.”

Na última passeata, tanto em São Paulo como no Rio houve hostilidade a militantes de partidos políticos, que tiveram bandeiras e outras insígnias tomadas e queimadas. O editor da revista Fórum, Renato Rovai, afirma que será preciso aprender a lidar com a nova situação. “A rua não é só das esquerdas. As direitas também vão ocupar as ruas. Essas ruas serão disputadas porque as pessoas estão organizadas. Organizadas aonde? Pelas redes sociais”, disse, durante o debate realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). “A gente vai ter de conviver com isso tentando eliminar riscos de um retorno a processos fechados, processos ditatoriais.”

Ricardo Antunes, professor titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, acrescentou que é preciso trabalhar para desfazer distorções dos fatos. “A imprensa está pautando o movimento das ruas, colocando a ideia de que a corrupção e os vândalos são a esquerda, quando os corruptos e os vândalos são os fascistas e os para-fascistas.”

Em São Paulo, nas últimas marchas houve pedidos de intervenção militar, impeachment de Dilma Rousseff, fechamento de partidos políticos e depredação de prédios públicos. Ontem, em pronunciamento oficial em cadeia de rádio e televisão, a presidenta da República condenou excessos, informou que vai receber no Palácio do Planalto os representantes dos movimentos pacíficos e disse que debaterá com os presidentes dos outros poderes uma agenda que inclua a reforma política.

Marcos Nobre, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), considera que esta é a questão mais urgente que surge dos protestos das últimas semanas porque a população não se sente representada por parte das forças políticas. “O rompimento com o PMDB é uma coisa absolutamente necessária. Claro que aí seria preciso sustentar um governo de minoria e um governo de minoria só é sustentável na rua”, sugere, acrescentando que a aliança política promovida pelo governo Lula alterou a maneira como se entende a divisão entre direita e esquerda no Brasil, sendo necessário voltar atrás. “Uma frente ampla, que vá contra a estrutura do sistema político brasileiro atual e ao mesmo tempo tenha pautas concretas. Por exemplo: como é feito o orçamento e como são definidas as metas sociais do governo.”