Congresso estudantil

Estudantes voltam a Ibiúna após 45 anos para congresso e homenagem ao passado

Encontro da União Estadual dos Estudantes de São Paulo vai recordar Congresso da UNE e terá anistia simbólica a todos os participantes do encontro reprimido pela ditadura

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Congresso da UNE de 1968 foi marcado pela repressão e pela prisão de centenas de estudantes

São Paulo – Após 45 anos, Ibiúna voltará a sediar um congresso estudantil. Entre amanhã (14) e domingo (16) centenas de jovens são esperados para recordar o histórico congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado em 1968 na cidade do interior de São Paulo, a 70 quilômetros da capital, e reprimido pela ditadura.

A intenção durante o congresso da União Estadual dos Estudantes (UEE) é debater temas do presente e render homenagem ao passado. Um dos pontos altos do encontro  será uma edição da Caravana da Anistia. Para o presidente da UEE, Alexandre Cherno, o resgate da geração de 1968 é necessário para compreender a juventude atual.

“Ibiúna foi um marco na luta pela democracia no Brasil. Foi aquela geração que deu o caráter combativo e de enfrentamento às injustiças para a nossa geração. Devemos muito da nossa identidade a eles.”

O 30º Congresso da UNE, organizado na clandestinidade, ficou marcado como um dos capítulos-chave da história de resistência ao regime. Os estudantes chamaram a atenção pela grande movimentação em uma cidade pequena, o que acabou levando os militares a descobrir o local de realização do evento, que terminou marcado pela prisão de 700 estudantes por agentes da ditadura (1964-1985), entre eles os ex-ministros José Dirceu e Franklin Martins.

Para a historiadora e ex-militante da UNE Ângela Maria Mendes, presente ao congresso de 1968, tratou-se de uma afirmação de que os estudantes estavam organizados. “A polícia chegou ao amanhecer. O congresso da UNE marca o momento em que as coisas começam a se modificar. Havia prisões e tortura, mas nada que se compara com o que vai acontecer em 1968, com o Ato Institucional 5”, disse Ângela em entrevista à TVT.

O AI-5 foi o ato que deu poderes extraordinários ao presidente da República e suspendia várias garantias constitucionais, como o direito de votar e a realização de atividades/manifestações sobre assuntos políticos.

Anistia

A Comissão de Anistia, ligada ao Ministério da Justiça, vai promover durante o encontro da UEE uma sessão pública de homenagem de todos os anistiados oficiais e de todos os participantes do Congresso de 1968. A pedido da UEE, serão julgados no sábado dois casos de militantes que entraram com pedido de reparação oficial.

O Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, estará presente no ato de anistia do 11º Congresso da UEE“Isso invoca o resultado do que temos implementado, que são ações educativas para que nossa juventude tenha cada vez mais conhecimento da nossa história e também milite no front da luta contra o esquecimento”, diz o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão (foto ao lado).

“Em segundo lugar, o fato de estarmos relembrando o congresso de Ibiúna 45 anos depois é uma forma de assentarmos que a resistência contra a ditadura ocorreu por distintas modalidades. Houve um protagonismo juvenil que precisa nesse instante ser reconhecido até para que a juventude de hoje possa se espalhar nesse espírito de luta.”

Um dos que deve receber a condição de anistiado é Renato Hermann Fraenkel. Em 1966, durante o Congresso da UEE em São Bernardo do Campo, ele foi preso pela primeira vez. Dois anos mais tarde, durante o encontro de Ibiúna, foi novamente detido, e deixou o país no ano seguinte na companhia da esposa, Denise Fraenkel Kose, já anistiada.

O outro caso é de Etelvino José Henriques Bechara, militante e estudante do curso de Química da USP. Ele também foi detido durante o Congresso da UNE e levado para o Presídio Tiradentes, um dos principais centros da repressão, no centro de São Paulo. Em 1970, foi retirado à força da sala de aula e levado para o 2º Exército, próximo ao Parque do Ibirapuera, na capital. Os documentos encaminhados à Comissão de Anistia mostram que ele foi monitorado até o ano de 1984.

O ano de 1968 foi um marco para a história do país. A morte do estudante Edson Luís, no Rio de Janeiro, mobiliza os estudantes em todo o país, seguido da Passeata dos 100 Mil, manifestação contra a ditadura ocorrida no Rio de Janeiro, organizada pelo movimento estudantil e que contou com a participação de vários setores da sociedade brasileira.

“Mesmo pacífica, a passeata teve uma força muito grande. Foi aí que os estudantes fizeram história mesmo”, diz a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da USP, em entrevista à TVT. “O movimento é muito forte no Brasil. Não é só a presença da juventude, mas é uma maneira de apontar para o futuro.”

Outro tema a ser discutido durante o congresso deste fim de semana é a criação de comissões da verdade em universidades paulistas, como ocorreu na PUC de São Paulo. A USP chegou a criar um colegiado, mas os nomes não foram indicados pela comunidade acadêmica, o que provocou mal-estar.

Segundo Cherno, a UEE também criou a sua própria comissão da verdade, que vai contar a história da entidade e investigar quantos estudantes foram perseguidos, presos e torturados pela ditadura: “O Congresso de 1968 é o primeiro ponto: já fizemos um levantamento da história e dos participantes na época. No ato de anistia que vamos fazer no Congresso, vamos desdobrar e apresentar os trabalhos da nossa comissão.”

Para o presidente da UEE, a criação dessas comissões é fundamental para a garantia do direito à memória. “Este será o Congresso mais importante e simbólico da UEE, porque levanta o debate da memória e do direito de contarmos nossa própria história. É um tema que pauta o Brasil hoje.”

O 11º Congresso da UEE realizará também debates sobre a democratização dos meios de comunicação no Brasil, o programa de cotas do governo de São Paulo, as políticas públicas na cultura e a entrada de capital estrangeiro em universidades brasileiras.

“A ideia é fazer um apanhado das discussões e avaliar o período de dez anos de transformação no Brasil, iniciadas no governo Lula e continuadas pela Dilma”, diz Cherno.

O encontro contará com a presença de militantes da geração de 1968, como o ex-ministro da Comunicação Social Franklin Martins, o ex-líder estudantil Leopoldo Paulino, o ex-ministro da Casa Civil e ex-presidente da UEE José Dirceu, e o ator José de Abreu. Mais informações da programação do congresso e das inscrições estão disponíveis no site da UEE.

Colaborou João Peres

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