Lei sobre drogas

Governo quer levar projeto sobre drogas a votação na presença de enviado da ONU

Proposta negociada entre governo e Congresso admite internação involuntária

O endurecimento da pena a pequenos traficantes será mantido pelo Executivo (Lalo de Almeida/Folhapress)

Rio de Janeiro – Uma reunião de líderes de bancada marcada para a tarde de hoje (7) na Câmara dos Deputados poderá definir a entrada na pauta do plenário do Projeto de Lei 7.663, de 2010, que estabelece novas medidas de combate às drogas. A aceleração do trâmite tornou-se possível depois que o governo, que chegou a cogitar a apresentação de um projeto alternativo, fechou um acordo sobre o conteúdo da proposta com os deputados Osmar Terra (PMDB-RS) e Givaldo Carimbão (PSB-AL), respectivamente autor e relator do PL 7.663. Se tudo correr como espera o Palácio do Planalto, a votação do projeto pelo plenário da Câmara será até quinta-feira (9) e coincidirá com a presença em Brasília do diretor executivo do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (Unodc, na sigla em inglês), Yury Fedotov.

As negociações com os deputados foram conduzidas pelos ministros Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça), e trataram de pontos do PL como as regras de internação involuntária de usuários de drogas, a relação com as comunidades terapêuticas que acolhem os dependentes químicos, as medidas de reinserção no mercado de trabalho e o tamanho das penas para traficantes e das medidas socioeducativas para usuários. Com algum recuo de ambas as partes, foi possível chegar a um acordo sobre o texto que será apresentado por Carimbão. Se aprovado, o PL 7.663 será incluído na Lei Nacional de Drogas aprovada em 2006.

Os dois ministros trataram de temas distintos durante a negociação. Cardozo, acompanhado pelo titular da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Vitore Maximiano, tratou das penas e medidas socioeducativas e conseguiu cumprir o principal objetivo do governo: evitar o endurecimento da pena para pequenos traficantes. Será mantida por Carimbão no texto do projeto a pena mínima de cinco anos prevista na Lei de Drogas, mas outra medida, com o acordo do governo, aumentará essa pena mínima para oito anos em casos de “traficantes que integram organização criminosa”.

Para fechar o acordo, o governo aceitou a ampliação do tempo de execução das medidas impostas aos usuários presos em flagrante. Atualmente, o usuário flagrado deve prestar serviços comunitários e comparecer a cursos educativos por um período máximo de cinco meses ou dez meses (se for reincidente). No PL 7663, o tempo previsto será ampliado para seis a 12 meses ou, em casos reincidentes, para 12 a 24 meses. A Senad manifestou seu repúdio a essa ampliação em um passado recente, mas agora o fundamental para o governo é impedir um endurecimento da pena contra pequenos traficantes, situação que acabaria por inchar ainda mais o sistema carcerário brasileiro.

Internações involuntárias

Gleisi Hoffmann conduziu as negociações sobre o tratamento aos dependentes químicos de crack e cocaína. O objetivo do governo foi garantir no projeto de lei a existência de mecanismos de financiamento às centenas de comunidades terapêuticas – em sua maioria mantidas por grupos religiosos – que atualmente acolhem voluntariamente usuários de crack em todo o país. Essas comunidades, segundo o governo, têm papel fundamental para aliviar o sistema público de saúde, já que atuam tanto no acolhimento dos dependentes químicos e em sua reinserção social.

Com o objetivo de promover a reinserção dos dependentes químicos no mercado de trabalho, o PL 7.663 prevê também a reserva obrigatória de 5% das vagas em obras e serviços públicos para pessoas egressas do sistema de saúde ou das comunidades terapêuticas, desde que “em fase final de tratamento e em abstinência”. O governo, inicialmente contrário à proposta, negociou com o relator uma redução desse percentual, que pode ficar em 2% ou 3%.

Com o acordo do governo, o projeto prevê internações involuntárias de usuários de crack recolhidos nas ruas, mas estas somente poderão ser realizadas por servidores públicos da área de saúde ou assistência social, e não por servidores ligados à área de segurança. As internações involuntárias, segundo o PL, poderão ser solicitadas por integrantes da família do dependente químico ou pelo “servidor público responsável”. O prazo máximo para essas internações, que era de 180 dias no texto de Carimbão, foi reduzido para 90 dias após as negociações com o governo.

Agenda ONU

A agenda do enviado da ONU ao Brasil começa hoje pelo Rio de Janeiro. Acompanhado pelo secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, o diretor do UNODC, Yury Fedotov, irá às favelas do Cantagalo e do Pavão-Pavãozinho, na zona sul da cidade, para conhecer de perto a política de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) desenvolvida pelo governo fluminense. Em seguida, conhecerá ex-traficantes que retornaram ao mercado de trabalho por intermédio do Projeto Empregabilidade, coordenado pelo Grupo Cultural AfroReggae.

Em Brasília, Fedotov irá inaugurar amanhã o Escritório de Ligação e Parceria do UNODC no Brasil, que também cobre Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai. Na quinta-feira, estará com o ministro José Eduardo Cardozo para a assinatura de uma declaração conjunta que oficializará “o início dessa nova parceria entre o Unodc e o Brasil”. Fedotov também participará em Brasília do lançamento da campanha “Coração Azul”, já lançada em dez países e que tem como principal objetivo mobilizar a opinião pública internacional contra o tráfico de pessoas.