Pressões no Congresso

Governo rejeita proposta ruralista sobre demarcação de terras indígenas

Ministros afirmam que prerrogativa a respeito de criação ou extinção de áreas deve ser mantida nas mãos do Executivo, embora Embrapa possa compartilhar atribuições hoje da Funai

Lucio Bernardo Jr. Agência Câmara

Gleisi Hoffmann pediu tranquilidade a índios e produtores rurais (Foto: Lúcio Bernardo Jr./ABr)

São Paulo – O governo federal manifestou hoje (8) oposição à proposta de emenda à Constituição (PEC) que retira do Poder Executivo o direito de demarcação de terras indígenas. “Nós não podemos, de maneira alguma, violentar um procedimento que está estabelecido na Constituição e em leis que regulamentaram”, disse o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho.

A PEC 215, de 2000, de autoria do deputado Almir Sá (PPB-PR), é uma das frentes da bancada de representantes do agronegócio em 2013. Eles querem transformar em realidade a proposta, que dá ao Congresso, dominado pelos ruralistas, a atribuição exclusiva sobre a demarcação de terras indígenas.

Gilberto Carvalho advertiu que o Legislativo já “participa efetivamente”, por meio de consultas, do processo de demarcação. “Não entendemos necessário que essa proposta seja aprovada, no sentido de tirar do Executivo a prerrogativa, que é constitucional”, acrescentou.

Segundo Carvalho, esse é um tema que trata de direitos adquiridos historicamente pelas nações indígenas. Ele acrescentou que é necessário dar aos índios as condições adequadas de vida que permitam a cultura e o meio de sustentação escolhido por cada nação indígena. “De um lado há que se atender aos direitos indígenas, de outro lado não se pode violentar os direitos daqueles que foram de boa fé estimulados a ocupar terras e hoje produzem nessas terras”, destacou.

Durante audiência pública na Câmara dos Deputados, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, afirmou que é preciso simplesmente promover um refinamento das atribuições.”Se a Constituição Federal fosse clara e cristalina, nós não estaríamos vivendo esta situação. Se isso acontece é porque há interpretações diferentes. Se queremos resolver esta situação, precisamos serenar os ânimos”, disse a ministra.

Ela reconheceu a “complexidade” de a Fundação Nacional do Índio (Funai), como órgão federal responsável por promover e defender os direitos indígenas, mediar os conflitos e, ao mesmo tempo, ficar encarregada, sozinha, de elaborar os estudos antropológicos necessários para identificar se uma área é tradicionalmente indígena e, com isso, recomendar à Presidência da República sua demarcação e homologação. O governo estuda compartilhar as atribuições da Funai com Embrapa e Ministério da Agricultura.

Gleisi Hoffmann, apelou a índios, produtores rurais, militantes sociais e parlamentares para que acalmem os ânimos e debatam tranquilamente a criação de novas reservas indígenas, a fim de se tentar chegar a uma solução para o conflito. “Não viemos aqui para um embate com agricultores ou com os índios”, afirmou. “Chegamos a uma situação em que os conflitos estão aumentando até porque as novas áreas [em estudo ou pleiteadas] ficam em regiões de maior concentração populacional.”

“A atuação da Funai tem se pautado pelo que ela é: protetora e envolvida com as questões indígenas. A intervenção do Estado brasileiro, como garantidor dos direitos, resta, assim, comprometida”, concluiu Gleisi, confirmando a intenção do governo federal de passar a consultar outros órgãos de governo, sobretudo a Embrapa, nos processos demarcatórios. “É uma iniciativa para melhorar os procedimentos. Precisamos ter informações para qualificar a tomada de decisões. Vamos ouvir e considerar nos estudos, além da Funai, os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, das Cidades, entre outros órgãos para termos uma base consistente para os estudos de demarcação”.

Construções e AGU

No início da audiência na Comissão de Agricultura, o deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) cobrou do governo o restabelecimento da Portaria 303/12, da Advocacia-Geral da União (AGU), que estendeu para todos os processos de demarcação de terras indígenas as 19 condicionantes adotadas no reconhecimento da aldeia Raposa Serra do Sol, em Roraima. A portaria autoriza o governo a construir rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia e instalações militares dentro das aldeias sem autorização das comunidades indígenas.

“Os índios saem de terras demarcadas para criar outras reservas. Tem gente que está na sexta ocupação. Há ilegalidade em cima desse processo. A Funai é conivente. Vossa excelência diz que é uma dívida que a nação brasileira tem, mas um governo sério não expropria a terra de gente que tem escritura”, afirmou.

O deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) exigiu o restabelecimento da portaria que estendeu para todos os processos de demarcação de terras indígenas as condicionantes adotadas no reconhecimento da aldeia Raposa Serra do Sol (Foto: Lúcio Bernardo Jr./ABr)

O deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP), que também solicitou a audiência para convocar a ministra, juntou-se a Heinze nas críticas. “Falta uma política indígena clara por parte do governo, que transformou o índio em sem-terra”, disparou Nogueira. Ele criticou a possibilidade, anunciada pela imprensa, de o governo alterar a cúpula da Funai. “Trocam-se as pessoas, criam-se órgãos, como se essa fosse a solução”, disse. Após críticas, a portaria acabou suspensa pela própria AGU até o pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso.

Gleisi rebateu afirmando que o país tem uma dívida histórica com os índios. “As diretrizes maiores dependem da decisão do STF. Esperamos as regulamentações necessárias”, disse a ministra. “O STF não deixará a Nação por muito mais tempo sem orientação.”

Também o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, explicou que o governo está aplicando a decisão do STF. “Uma vez confirmada a decisão do Supremo, todos os processos de demarcação deverão ser reanalisados em face das 19 condições fixadas e aplicadas a toda a área jurídica mediante a portaria. Quanto mais rápido for o julgamento, maior clareza e certeza teremos em relação às condicionantes. É essencial que o Supremo venha a consolidar sua posição”, disse Adams.

Com informações da Agência Brasil e da Agência Câmara.