Desaparecidos

Condições precárias das ossadas de Perus dificultam identificação de vítimas em SP

Falta de verbas e de profissionais capacitados também foram apontados como causas da demora, em audiência pública realizada ontem

L.C. Leite/Folhapress

Cemitério Dom Bosco no bairro de Perus, onde as ossadas foram encontradas em 1990

São Paulo – As ossadas encontradas na vala clandestina no cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, em São Paulo, apontam péssimas condições de conservação, com umidade e fungos que danificam o material e dificultam e até impossibilitam a extração de DNA para identificação dos restos mortais de mortos e desaparecidos políticos da ditadura (1964-1985), segundo relatos feitos na audiência pública da Comissão Estadual da Verdade ‘Rubens Paiva’, ontem (20), na Assembleia Legislativa de São Paulo.

O secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abrão, apontou falhas no trabalho de identificação das 1.049 ossadas encontradas na vala de Perus em 1990. “São muitas as circunstâncias em que há dificuldade no trabalho do sistema de justiça brasileiro na identificação das vítimas.”

Desde que as ossadas foram encontradas o material ficou sob responsabilidade da Unicamp, por meio de um convênio firmado com a prefeitura de São Paulo, então sob a gestão petista de Luiza Erundina. Desde o final de seu mandato, em 1993, as ossadas foram abandonadas, segundo a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

“Na época estivemos com José Carlos Dias (então ministro da Justiça), e levamos para ele relatório de como estavam ossadas na Unicamp. Eram sacos jogados, um horror. Ele disse até que devíamos processar a Unicamp e nunca fizemos isso”, comentou Suzana Lisboa, que foi casada com Eurico Tejera Lisboa, desaparecido político.

Em 2001, as ossadas foram enviadas para o columbário do cemitério do Araçá, onde ficaram sob responsabilidade do Instituto Médico Legal e do Instituto Oscar Freire da USP. Mas não houve inciativa de identificação das ossadas. Em 2006, o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública de responsabilização pela demora na identificação. Segundo a procuradora da República Eugênia Gonzaga, falta verba para as ações. “Havia uma omissão muito grande, uma falta de ação, materiais descuidados, e vimos que faltam verbas.”

A última avaliação das ossadas foi feita por uma equipe argentina de antropologia forense, e só foi possível devido a uma doação da Associação Brasileira de Anistiados Políticos à Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. A equipe relatou que além das péssimas condições dos restos mortais, a metodologia usada pela Unicamp e pela USP para a identificação era ultrapassada. “O relatório que a arqueologia e a antropologia forense argentinas fizeram nesse ultimo trabalho é uma denuncia, praticamente, de como até agora as coisas não foram feitas adequadamente.”

Uma das propostas da comissão é a capacitação de profissionais de arqueologia e antropologia forense. Paulo Abrão aponta falha do Estado nesse sentido. “Este caso da vala clandestina de Perus aponta na cara do Estado uma deficiência estrutural e organizacional do nosso sistema de justiça. O fato de não termos constituído uma expertise ou uma carreira de estado de arqueologia e antropologia forense demostra vácuo, uma lacuna no Estado de direito brasileiro.”

Ouça aqui a reportagem de Cláudia Manzzano.

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