Fleury deve ser ouvido hoje no julgamento do Massacre do Carandiru

Ex-governador de São Paulo é testemunha de defesa dos 26 policiais acusados de matar 15 das 111 pessoas na Casa de Detenção em 1992

Sala do Júri: processo tem mais de 57 mil páginas (Foto: Moacyr Lopes Filho/Folhapress)

São Paulo –  O tribunal do Juri do Massacre do Carandiru começa a ouvir hoje (16), no Fórum da Barra Funda, em São Paulo,  as testemunhas convocadas pela defesa dos 26 policiais acusados de matar 15 pessoas no segundo pavimento do Pavilhão 9 da Casa de Detenção da capital. Entre as testemunhas aguardadas estão o governador da época, Luiz Antônio Fleury Filho, então do PMDB, e o procurar Pedro Franco de Campos, então secretário de segurança pública do estado.  A expectativa é que ele dê detalhes sobre a tomada de decisão para invadir o Pavilhão.

Outros 84 policiais devem ser julgados até o final do ano, em mais quatro tribunais. Ao todo 111 pessoas foram assassinadas em 2 de outubro de 1992.

Ontem, cinco testemunhas da acusação foram ouvidas em quase 12 horas de trabalhos. Inicialmente, a Promotoria havia chamado 13 pessoas, mas considerou desnecessário ouvir as demais.

A maioria dos ouvidos afirmaram que um conflito entre dois presos rivais (e não uma rebelião) foi a razão para o início da desordem na unidade prisional. Não havia nenhuma reivindicação ou refém. 

Segundo  o diretor da divisão de disciplina e segurança e substituto da diretoria geral Moacir dos Santos, que estava na porta do pavilhão, autoridades tratavam dos detalhes da invasão quando um grupo de policiais forçou o portão de entrada da Detenção e entrou.

Santos,o quarto a testemunhar, afirmou diante do juri que o ato foi uma “rebeldia” dos policiais. E disse não acreditar que as 13 armas apontadas pela polícia como tendo sido usadas pelos presos pertencessem de fato a eles. 

Segundo seu depoimento, ele esteve dentro do Pavilhão 9 tentando convencer os presos a acabarem com o conflito, mas após perceber que não seria possível disparou o alarme que indicava a necessidade de intervenção externa.  Apesar de ser favorável a invasão, disse, ele considerou um erro a utilização da Rota em vez da Tropa de Choque, grupamento treinado para o tipo de operação.

Santos afirmou que nenhuma das autoridades presentes fizeram algo para impedir a violência dos policiais.

O perito Osvaldo Negrini Neto afirmou que houve clara intenção de modificação da cena do crime, o que prejudicou a perícia. Mas as marcas de balas nas paredes apontam que não houve confronto e que os disparos foram dados do corredor para dentro das celas, de onde os corpos teriam sido removidos e amontoados no hall da Casa de Detenção.

Sem reação

Antes deles, três apenados afirmaram que não houve reação dos presos e que os policiais atiraram para dentro das celas onde eles  estavam refugiados.

Antonio Carlos Dias afirmou que os presos já rendidos eram “brutalmente” espancados. Ele mesmo teve o nariz quebrado.

Marco Antônio de Moura afirmou que estava abaixado no fundo de uma cela com outras 30 pessoas quando um policial colocou uma arma por uma pequena abertura da porta e disparou rajadas de metralhadora. Uma bala acertou seu pé. Ferido, ele se fingiu de morto e só se apresentou para receber atendimento depois que “autoridades” chegaram a Casa de Detenção, o que conteve a violência.

Luiz Alexandre de Freitas, apontou um dos réus, o Sargento Wlandekis Antônio Candido Silva por supostamente dizer que o deixaria viver por ser parecido com o seu filho. Ainda assim, ele precisou se esconder entre corpos e foi ferido na perna por uma baioneta. Ele afirma ter  se contaminado com HIV em função do contato com o sangue que cobria o chão. Atualmente, ele precisa de uma cadeira de rodas para se locomover. Freitas ainda cumpre pena.

Vinte anos depois das mortes de 111 pessoas na casa de detenção, apenas o coronel Ubiratan Guimarães, comandante da operação, foi julgado. Mas a condenação de 2001 foi recusada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2006 por supostas falhas no julgamento. O coronel jamais permaneceu preso e foi assassinado meses depois.