Carandiru: testemunha nega rebelião e aponta dobro do número de vítimas

Primeira testemunha do Tribunal do Júri sobre o massacre do Carandiru afirmou ter visto em um caminhão pelo menos o dobro do número oficial de 111 mortos

Pouco mais de 15 pessoas assistem ao júri no Fórum da Barra Funda, que deve durar toda a semana (Foto: Moacyr Lopes Júnior/Folhapress)

São Paulo – A primeira testemunha do Tribunal do Júri sobre o massacre do Carandiru, em São Paulo, afirmou hoje (15), na retomada dos trabalhos iniciados na semana passada, que o número de mortos é maior do que o divulgado oficialmente, de 111 presos, e que os detentos não estavam rebelados no momento em que teve início a invasão da Polícia Militar.

Antonio Carlos Dias, de 47 anos, estava preso no Pavilhão 9 da Casa de Detenção do Carandiru havia um mês quando ocorreu o episódio. Ele é a primeira de 13 testemunhas que o Ministério Público Estadual pretende ouvir ao longo desta semana, quando serão julgados 26 policiais acusados de envolvimento no crime. Os PMs não estiveram presentes no depoimento a pedido da testemunha.

Antonio Carlos recordou ter visto da cela na qual estava um caminhão com uma “pilha de corpos”. Este foi um dos momentos em que ele se emocionou ao depor no Fórum Criminal, na Barra Funda, zona oeste da capital paulista. “Acredito que no mínimo o dobro do que eles falavam. Quem não tinha visita era indigente, foi descartado como lixo.”

Os advogados de defesa dos policiais tentaram desmerecer o testemunho do ex-presidiário. Primeiro, questionando se ele sabia o total de detentos naquele pavilhão. Depois, afirmando que ele foi detido por tentativa de latrocínio, já que a vítima do roubo no qual foi flagrado ficou ferida. A prisão foi realizada em 1987, e em setembro de 1992, pouco antes do massacre, ele foi transferido para o Carandiru.

Durante o depoimento, Antonio Carlos lembrou do corredor formado por policiais depois que os detentos foram dominados, e confirmou que quem escorregasse ou caísse no chão ensanguentado era morto pelos agentes. “Qualquer pessoa que sobreviveu àquilo se emocionaria”, disse, recordando ter sofrido agressões no momento de deixar o interior do pavilhão. 

Para a testemunha, não houve rebelião, que é o motivo apontado para a entrada dos policiais na casa de detenção. Ele afirmou que houve uma briga, um acerto de contas “corriqueiro”, caso que normalmente era tratado pelo diretor da penitenciária. Segundo o ex-detento, incêndios e destruição tiveram início depois da invasão policial.

Antonio Carlos afirmou que preferiria não estar depondo, e que foi apenas por obrigação. Ele garante não ter ressentimento contra os policiais, embora conclua que a corporação tem sérios problemas: “Pelo que a gente vê, a maioria é má. Tem uma minoria só que é boa.”

Retomada

O julgamento, que deveria ter sido realizado na semana passada, foi suspenso depois que uma jurada passou mal. Hoje, um novo júri foi sorteado, e é composto por seis homens e uma mulher. Cada um deles recebeu um resumo das acusações, e em seguida foi tomado o depoimento de Antonio Carlos. Além dos 13 depoimentos da acusação, oito pessoas foram chamadas pela defesa dos policiais, entre elas o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho. 

Vinte anos depois das mortes de 111 pessoas na casa de detenção, apenas o coronel Ubiratan Guimarães, comandante da operação, foi julgado. Mas a condenação de 2011 foi recusada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2006 por supostas falhas no julgamento. O coronel jamais permaneceu preso e foi assassinado meses depois.

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