Show de Sérgio Ricardo abre homenagens em memória de Alexandre Vannucchi

Estudante assassinado em 1973 será declarado anistiado político durante ato na USP. Missa na Sé lembrará celebração feita 40 anos atrás

São Paulo – Sérgio Ricardo surge no palco como quem anda pela rua. Já estão lá os três jovens músicos que irão acompanhá-lo, entre eles dois de seus filhos, Marina e João. Com 80 anos – completará 81 em junho –, abre com Conversação de Paz, e ao terminar recorda “toda uma força existente neste país alguns anos atrás”, quando “o Brasil parecia sorrir de orelha a orelha, com jovens absolutamente entregues à causa, acreditando na cidadania brasileira”. O show de ontem (14) à noite no Centro Cultural São Paulo abriu as homenagens ao estudante Alexandre Vannucchi Leme, assassinado pela ditadura 40 anos atrás, em 17 de março de 1973, quando tinha 22 anos.

Hoje, um ato da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, a partir das 12h, no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), reconhecerá oficialmente Alexandre Vannucchi –  estudante de Geologia e militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) – como anistiado político. Às 18h, missa na Catedral da Sé relembrará celebração feita no mesmo local em 30 de março de 1973, também, como hoje, uma sexta-feira, quando milhares de pessoas enfrentaram o bloqueio feito pelos órgãos de segurança em vários pontos da cidade e foram à igreja. Obviamente, nenhuma notícia foi publicada. A edição do dia seguinte do jornal Folha de S. Paulo, por exemplo, trazia uma matéria na abertura de página 3 com o seguinte título: “Todo o país comemora o 9º aniversário da Revolução”, em referência ao golpe de 1964.

Naquele dia, o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, que fez a celebração, apresentou Sérgio Ricardo, que cantou uma música recém-composta: Calabouço, que lembrava o jovem Edson Luís, morto pela polícia durante um protesto no Rio de Janeiro, em 1968.

Meia dor meia alegria
Cala a boca moço
Nem rosa nem flor,botão
Cala a boca moço
Meio pavor meia euforia
Cala a boca moço
Meia cama meio caixão
Cala a boca moço
Da cana caiana eu canto
Cala a boca moço
Só o bagaço da canção
Cala a boca moço
Cala o peito cala o beiço
Calabouço calabouço

Ontem à noite, o cantor reapresentou Calabouço, acompanhado do coral Luther King. O refrão teve a palavra “violeiro” trocada por “brasileiro”: Olha o vazio nas almas/ Olha um brasileiro de alma vazia. Após a música, ele recebe do jornalista Sérgio Gomes um cartaz com a imagem de Vannucchi e o exibe à plateia.

Ainda no começo do show, Sérgio Ricardo anuncia uma canção “que poderia estar na cabeça do Alexandre quando ele optou por sua participação na luta”. Começa a cantar Do Lago à Cachoeira.

Sei que é difícil mudar
Quando o rumo é o de nossa vida
E bem pior é se a gente
Vê que não tem mais saída

Saí buscando não sei se o vento
Ou se o rumor das ondas
Falando nos caminhos
Brotou em minhas mãos
Fonte nascente e se avolumou

Sem que eu percebesse
Ocupou todo o espaço
E o nó desatou do laço
Quando me vi sem amarras
Saí agitando os braços

Virei o rio que rompe a barragem
Que sai lambendo a terra
A mata o leito a margem
Só sei que lá fui eu
Do lago à cachoeira

A psicanalista Maria Auxiliadora Arantes, a Dodora, militante da Ação Popular presa no sertão de Alagoas pouco depois do AI-5, em 1968, leu um texto em homenagem a Vannucchi antes do show. Lembrou que em 12 de março de 1973 o estudante se despediu dos pais em Sorocaba, no interior paulista, dizendo: “Volto no próximo domingo para o almoço”. No dia 20, eles receberam um telefonema: “O Alexandre está aqui no Dops, venham buscá-lo”. Não estava lá, não estava em lugar algum. O pai soube da morte ao ler uma notícia no jornal, que apontava o rapaz como vítima de atropelamento. Alexandre, cuja morte ocorrera no dia 17, foi enterrado no Cemitério de Perus como indigente em cova rasa e com cal, para acelerar a decomposição do corpo. A família só conseguiu enterrá-lo em Sorocaba dez anos depois, em 1983.

Sérgio Ricardo canta ainda, entre outras, Enquanto a Tristeza não Vem (“Canta Canta/ Nasceu uma rosa/ Na favela”), Contra a Maré (“Quem vai pro fundo/ Tem é que agitar o braço/ Tem é que apertar o passo/ Tem é que remar contra a maré”), Esse Mundo é Meu e a música principal da trilha do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. No bis, a pedidos, Zelão.

Leia também

Últimas notícias