Advogado afirma que decisão de Toffoli aceita violação de direitos de menores infratores

Para integrante do Movimento Nacional de Direitos Humanos, liminar que autoriza tolerância de até 15% além da capacidade das unidades da Fundação Casa, em São Paulo, incentiva internação e manutenção de precariedade

São Paulo – O advogado André Feitosa Alcântara, membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), considera que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autoriza o governo de São Paulo a transferir adolescentes em conflito com a lei durante cumprimento de medida socioeducativa abre as portas para violações de direitos. 

Uma das justificativas do ministro Dias Toffoli é que as transferências possibilitam que o menor internado fique próximo à família, ainda que não se imponha nenhuma regra neste sentido à Fundação Casa, antiga Febem. A decisão permite ainda uma tolerância de até 15% de internos além da capacidade máxima de cada unidade do sistema. “A decisão aceita a violação do direito do adolescente e possibilita que o Estado viole limites, que são também técnicos e de trabalho pedagógico. É preocupante esse tipo de decisão”, diz Feitosa, também coordenador do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente da Fundação Criança, de São Bernardo do Campo. 

A determinação de Toffoli, em caráter liminar, suspende decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que considerou ilegais as medidas determinadas pelo Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. A liminar foi concedida em fevereiro, mas divulgada apenas ontem (11) pelo STF, e diz respeito ao mandado de segurança apresentado pelo Tribunal de Justiça paulista. 

O ministro do STF cita dados para justificar sua decisão. Segundo ele, há 8,4 mil menores custodiados em São Paulo e apenas 7,8 mil vagas nas 116 unidades de internação. “São números que impressionam e falam por si, a demonstrar a magnitude do problema enfrentado para gerenciar tal agigantado sistema”,  argumenta Toffoli.  A situação impõe “ao Poder Judiciário a tomada de medidas enérgicas”, continua o magistrado.  Isso, segundo André Feitosa, “é como se o Estado afirmasse que não tem nenhuma responsabilidade sobre o que está acontecendo e dissesse: ‘vamos fazer o que dá’”.

Para o advogado, a liminar do STF incentiva os juízes a adotar a internação como solução, e não uma medida excepcional, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “A decisão reafirma a posição de alguns juízes que entendem que a internação deve ser adotada corriqueiramente.” E, como permite que se exceda o limite de vagas em 15%, “possibilita também que o Executivo se acomode com a quantidade de vagas que tem e não faça um trabalho que deva ser feito de melhorar”. 

A assessoria de imprensa da Fundação Casa afirma que a decisão do Supremo Tribunal Federal permite a ela “executar as medidas socioeducativas em seus centros socioeducativos, atendendo a adolescentes em conflito acima da capacidade existente em até 15%”. Diz ainda que “a medida não influenciará no trabalho realizado, que atende aos preceitos previstos no ECA e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)”. 

A instituição garante que o atendimento pelas equipes técnicas continuará a ser desenvolvido “na normalidade”, “sempre priorizando a proximidade da família e, consequentemente, a preservação dos laços afetivos”. Para o advogado André Feitosa, porém, a permissão para ultrapassar a capacidade tem implicações sérias. “15% em cima de 100 internos são 15 vidas. E há as famílias em torno de cada uma dessas vidas, quatro, seis pessoas por família. Imagine o impacto disso”, avalia. 

A decisão de Toffoli contraria uma política correta do próprio governo do estado de São Paulo de se espalharem várias unidades com capacidade menor do que sistemas ao estilo Carandiru, na opinião do advogado do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente da Fundação Criança, de São Bernardo do Campo. 

E a possibilidade do excedente em 15% prejudica também o profissional responsável por educar. “O processo pedagógico vai requerer mais esforço de uma professora responsável por dar aulas. A possibilidade de ela fazer mais intervenções individuais vai ser menor. A ideia do trabalho socioeducativo, segundo o ECA, não é ser massivo, é ser pessoal, tanto é tem um plano individual de atendimento. Como fazer esse plano se está lotado?”