Governo recua e fórum propõe projeto popular contra monopólio da mídia

Ministério das Comunicações descarta colocar em debate projeto de Marco Regulatório do setor, elaborado em 2010, e entidades reagem

Cezar Alvarez, do Ministério das Comunicações, descartou levar projeto adiante no primeiro mandato da presidenta Dilma (Foto: José Cruz/ABr)

São Paulo – As recentes declarações do secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Cezar Alvarez, desagradaram organizações que lutam pela democratização da comunicação no país. Na última quarta-feira (20), o número 2 do ministério afirmou que o Brasil não avançará na revisão do marco regulatório da mídia antes das eleições de 2014, quando termina o primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff (PT).

“Não deverá acontecer, pelo menos no prazo deste mandato”, disse Alvarez, em Brasília, após participar do Seminário Política de (Tele)comunicações, informou a Agência Brasil. “Ainda dá para fazer algo, mas não muito. Aquela visão inicial e profunda será difícil de ser cumprida porque temos apenas um ano e meio [até o período eleitoral].”

O coordenador do Coletivo Intervozes, Pedro Ekman, vê apenas um ponto positivo nas afirmações: “Finalmente disseram com todas as letras que não vão tocar nesta questão. As declarações só confirmam uma movimentação que o governo vinha adotando há tempos, evitando debater o assunto com a sociedade civil.” 

Ekman disse à RBA, porém, que o Executivo deve continuar se consultando com os grandes empresários de comunicação – como vem fazendo há alguns anos, sempre a portas fechadas – para saber que posturas adotar.

“Isso faz parte de um pacto de governabilidade”, acredita. “Tal como está estruturado o poder político no Brasil, os donos da mídia têm grande influência na manutenção da governabilidade. Se você quer construir um país sem miséria, pode até fazer, mas não vai mexer nas estruturas que interessam às elites midiáticas: reforma agrária, reformas econômicas e reforma na radiodifusão.”

Frustração

A expectativa do Intervozes e outras organizações era a de que o governo Dilma apresentasse um projeto de Lei Geral da Comunicação Social para tirar o atraso de 50 anos do país na matéria. Esse texto seria discutido em audiências públicas e, depois, enviado ao Congresso para apreciação dos parlamentares. Após dois anos, nada aconteceu.

A legislação que ordena a radiodifusão no Brasil foi escrita em 1962, antes da ditadura. Na época, nem televisão em cores havia. Hoje, com o avanço da internet e a convergência das mídias – sem contar as tecnologias de transmissão digital, que pretendem aposentar os sinais analógicos –, entidades reunidas no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) acreditam que já passou da hora de os brasileiros produzirem um novo marco jurídico para a gestão da comunicação em território nacional.

Por isso, avaliaram como “patética” as justificativas eleitorais apresentadas por Cezar Alvarez para atrasar ainda mais a apresentação do projeto e a realização de consultas públicas. “Apesar dos insistentes esforços da sociedade civil por construir diálogos e formas de participação, o governo Dilma e o governo do ex-presidente Lula optaram deliberadamente por não encaminhar um projeto efetivo de atualização democratizante do marco regulatório”, afirma nota divulgada na última sexta-feira (22). “Mas o atual governo foi ainda mais omisso ao sequer considerar a proposta deixada no final do governo do seu antecessor.”

Interesses

O FNDC se refere à minuta elaborada pelo Executivo em 2010 sob a liderança do então ministro de Comunicação Social Franklin Martins. O texto, que nunca foi oficialmente divulgado, propunha a criação da Agência Nacional de Comunicação (ANC) para dispor sobre as possíveis irregularidades nas transmissões de rádio e televisão.

Também pretendia proibir que políticos em posse de mandatos detenham concessões públicas de comunicação, como reza a Constituição. De acordo com estudo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) divulgado no início da atual legislatura, cerca de 60 deputados e senadores controlam diretamente – e mais 40, indiretamente – emissoras de rádio e tevê no país.

A nota publicada pelo FNDC também critica o governo por não ter dado encaminhamento às deliberações da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009. “O que fica claro é a ausência de vontade política e visão estratégica sobre a relevância do tema para o avanço de um projeto de desenvolvimento nacional e a consolidação da democracia brasileira.”

Iniciativa popular

Tanta má vontade fez com que as entidades cansassem de esperar. “Pessoalmente, não tenho esperança de que apareça um projeto de lei nem na próxima gestão”, confessa Pedro Ekman. “Por isso, as organizações que integram o FNDC tentarão escrever um projeto de lei de iniciativa popular, como foi feito com a Ficha Limpa, colhendo ao menos 1,6 milhão de assinaturas. Entendemos que o diálogo com o governo não é mais possível nessa área.”

De acordo com o coordenador do Intervozes, um projeto de lei que realmente contibrua para a democratização das comunicações no Brasil deve promover uma divisão do espectro radioelétrico em ao menos três partes iguais: um terço se destinará aos meios comerciais, um terço aos meios comunitários não lucrativo e um terço aos meios estatais.

“É a reforma que os empresários não querem porque aumentará a quantidade de vozes em circulação”, analisa. “A comunicação deve parar de ser tratada apenas como uma questão de mercado e passar a ser vista como um direito. Todos os setores da sociedade devem ter a possibilidade de se expressar, e não apenas uma elite, como acontece hoje.”