Relator da ONU defende divisão das frequências de rádio e tevê no Brasil

Para Frank de la Rue, ação do Estado é fundamental para garantir diversidade e pluralidade necessárias para o pleno exercício da liberdade de expressão

Frank de la Rue nasceu na Guatemala e é relator da ONU para liberdade de expressão desde 2008 (Foto: ONU Direitos Humanos/Escritório Sul-Americano)

São Paulo – O relator especial das Nações Unidas para Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão, Frank de la Rue, defendeu hoje (13) em São Paulo, durante encontro com organizações da sociedade civil, a regulação das frequências de rádio e televisão no país como forma de garantir o pleno exercício da liberdade de expressão. “Todo Estado do mundo, inclusive o Brasil, tem a obrigação de regular o uso das frequências audiovisuais como um patrimônio público da nação”, defendeu. “Na América Latina, temos permitido erroneamente que se encare a comunicação social apenas pela ótica comercial. Mas as concessões não podem estar submetidas apenas a critérios de mercado.”

Nesse sentido, o relator da ONU elogiou a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual – conhecida como Lei de Meios – aprovada pela Argentina em 2009. “O Estado deve garantir que a liberdade de expressão seja viabilizada pela diversidade de meios de comunicação e pelo pluralismo de ideias”, defendeu. “Diversidade quer dizer existência de jornais escritos, rádios comerciais, comunitárias, públicas, canais de tevê, internet etc. E pluralismo significa que não deve existir nenhum tipo de monopólio.” Para De la Rue, a sociedade tem direito a ser adequadamente informada a partir de diferentes opiniões e visões de mundo. “É a diversidade que permite ao cidadão construir pensamento próprio sobre as coisas”, opina. “Ninguém pode se dizer proprietário da liberdade de expressão. Ela é de todos.”

Frank de la Rue alertou, porém, que, ao propor a regulação das frenquências audiovisuais, não está sugerindo que o Estado passe a controlar o conteúdo dos meios de comunicação. “Para mim, a imprensa não deve sofrer nenhum tipo de regulação: jornais escritos e páginas na internet devem sofrer apenas as limitações que estão na lei e que protegem os direitos humanos”, distinguiu, reforçando a ideia de que a liberdade de expressão não é um direito absoluto. “Se um discurso atenta contra os direitos das crianças, por exemplo, não pode ser enquadrado dentro da liberdade de expressão – é, ao contrário, uma violação aos direitos humanos.”

Em contraposição ao discurso de parte da comunidade jornalística brasileira, inclusive dos sindicatos, que defendem a obrigatoriedade do diploma para o exercício regular da profissão, o relator da ONU argumentou que a atividade jornalística não deve submeter-se a nenhum tipo de regulação. “O jornalismo deve ser a carreira mais livre que existe, sem diploma obrigatório nem necessidade de registro profissional”, pontuou. “Não deve supor nenhuma condição.”

Visita

Frank de la Rue está no Brasil “extraoficialmente” a convite da Frente Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que aglutina sindicatos, entidades da sociedade civil e ONGs contrárias à concentração da mídia no país. Ainda assim, o relator da ONU foi recebido em Brasília pelos ministros das Comunicações, Paulo Bernardo, da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, além de representantes do Itamaraty, da Procuradoria Geral da República e do Congresso. “Fiquei positivamente surpreendido”, comentou, “e propus fixarmos uma data para visitar oficialmente o país, inclusive para acompanhar discussões sobre uma possível lei de regulação audiovisual.”

Na capital, De la Rue se encontrou também com diretores de entidades empresariais de rádio, televisão e jornais, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e Associação Nacional de Jornais (ANJ). Em São Paulo, o relator recebeu informações sobre a situação da liberdade de expressão no Brasil sob a ótica dos movimentos sociais. “Para mim esse contato com a sociedade civil é o mais importante, porque nossa responsabilidade de mover os Estados no sentido da proteção e promoção dos direitos humanos se faz a partir da informação trazida por vocês”, reconheceu.

E os dados trazidos ao conhecimento de Frank de la Rue foram numerosos. Laura Tresca, representante da ONG Artigo 19, contou que o Brasil encabeça a lista mundial dos países que mais solicita remoção de conteúdo online ao Google, sobretudo no período eleitoral. O relator também ouviu que o índice de assassinato contra jornalistas tem crescido por aqui. “Seis profissionais foram mortos em 2012, dois a mais que 2011, e esse número ainda deve aumentar até a virada do ano”, contabilizou Tresca. “Mortes e ameaças ainda são um instrumento bastante eficaz para interromper o trabalho dos jornalistas.”

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