Disque 100 recebeu 120 mil denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes

Brasília – Quase todas as denúncias registradas por meio do Disque 100, entre janeiro e novembro deste ano, são relativas a violação de direitos humanos de crianças e adolescentes. Foram […]

Brasília – Quase todas as denúncias registradas por meio do Disque 100, entre janeiro e novembro deste ano, são relativas a violação de direitos humanos de crianças e adolescentes. Foram 120.344 denúncias. As meninas correspondem a mais da metade (57%) das vítimas, principalmente na faixa etária de 8 a 14 anos. Além disso, 61% desses registros são relacionados a crianças e adolescentes pretos e pardos.

Segundo números divulgados hoje (10) pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), responsável pelo serviço de denúncias por telefone, nos noves meses deste ano foram registrados 155.336 casos, relacionados também à violação de direitos de idosos, de pessoas com deficiência, entre outros.

Para a ministra da SDH, Maria do Rosário, a elevada incidência de denúncias ligadas a crianças e adolescentes é explicada, em parte, pela vulnerabilidade dessa população diante dos agressores. Ela acredita que o registro maior número de casos tem ligação com o fato de o serviço ter sido lançado em 2003, com o monitoramento exclusivo da violência contra crianças e adolescentes.

“Não tenho nenhuma dúvida que, no Brasil de hoje, temos de estar dedicados à proteção das crianças para que elas não sofram violência”, disse, lembrando que o governo federal começa a pagar, mensalmente, os recursos da expansão do Brasil Carinhoso. A ação integra o Plano Brasil sem Miséria e complementa a renda das famílias extremamente pobres de forma que todos os integrantes superem o patamar de renda de R$ 70 mensais. “Dessa forma, estamos alcançando em termos de renda mais 8,1 milhões de crianças no país, que estão saindo da situação de miséria extrema. Aliamos a renda e o atendimento para enfrentarmos a violência”, disse.

A secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Angélica Goulart, destacou que, para enfrentar o problema, o governo federal está trabalhando para fortalecer os conselhos tutelares pelo país. A partir de março de 2013, os conselhos receberão novos equipamentos, como carros, computadores com acesso à internet, celulares e impressoras. “Inicialmente, 500 conselhos vão receber os equipamentos para poder aplicar melhor as medidas de proteção a todas as crianças e adolescentes”, disse, acrescentando que a medida será estendida, progressivamente, a outros conselhos tutelares. Ao todo, essas unidades somam 5.900 no país.

Foram registradas entre janeiro e novembro deste ano 21.404 denúncias de violação de direitos dos idosos, o que corresponde a 13,8% do total; 7.527 denúncias relacionadas aos direitos das pessoas com deficiência, representando 4,8% do total; 2.830 contra a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros), ou 1,8% do total; 489 contra população em situação de rua (0,3%) e 1.603 contra outras populações em situação de vulnerabilidade, que engloba quilombolas, indígenas, ciganos entre outros (1,8%).

Desde maio de 2003, quando o Disque 100 passou a ser operado pelo governo federal, foram recebidas 396.693 denúncias. O serviço funciona 24 horas, todos os dias da semana, incluindo domingos e feriados. A ligação é gratuita e pode ser feita de qualquer telefone em todo o território nacional.

As denúncias de violações de direitos humanos são examinadas e encaminhadas para os órgãos responsáveis, entre eles o Ministério Público, as defensorias públicas nos estados e os conselhos estaduais do idoso, para apuração e providências.

Prisões

A partir de janeiro do próximo ano, o Disque 100 também irá registrar casos e orientar vítimas de tortura. De acordo com dados da secretaria, entre fevereiro de 2011 e fevereiro de 2012, 1.007 queixas de tortura foram anotadas pelo sistema, que hoje tem módulos específicos para registro de violações de direitos de crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, grupos LGBT (lésbica, gays, bissexuais, travestis e transexuais) e pessoas que vivem nas ruas. A maioria dos casos de tortura (65%) é de pessoas presas em cadeia pública, delegacia de polícia e presídio (mais de 48%).

A ocorrência da tortura em dependências policiais ou presidiárias dificulta as denúncias. Segundo a ministra dos Direitos Humanos, sete de cada dez denúncias foram anônimas. “Essas pessoas não apresentaram identidade porque temem represália. Em geral, estão denunciando agentes que deveriam cumprir a lei”, assinala.

Para José de Jesus Filho, da Pastoral Carcerária (ligada à Igreja Católica), presos torturados e parentes não têm canal para denunciar. “Hoje tem que contar com a sorte. Não existe mecanismo para mostrar essa situação”, salientou. Segundo ele, além da condição prisional, os detentos são vítimas de violência por causa da origem social.“É uma tortura dirigida aos estratos mais baixos. Existe uma concepção de que há uma camada da população brasileira que é torturável.”

De acordo com Jesus Filho, muitos gestores da segurança pública, promotores e juízes toleram que casos de indisciplina e ilegalidades nas prisões tratados com tortura sejam vistos como forma de castigo. “A tortura conta com a conivência. A tendência é que o juiz ou promotor resistam a processar um agente público ou da polícia [acusados de tortura]. Nós já ouvimos desembargador dizer ‘eu dou valor absoluto a um policial e não dou valor a bandido’”.

A decisão do Disque 100 de registrar casos de torturas em prisões se dá uma semana depois de o Brasil ter acatado sugestões do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) sobre o sistema prisional brasileiro. Em visita ao Brasil no ano passado, o órgão da ONU identificou a existência de tortura e péssimas condições nos presídios do país.

“O Brasil se notabiliza por não aceitar a tortura ou qualquer violação dos direitos humanos. A marca do país não é das violações, mas de indignação a cada violação. Nós estamos agindo diante dela”, disse Maria do Rosário à Agência Brasil ao admitir que a violação de direitos humanos “talvez tenha sido naturalizada nas instituições fechadas”, acrescentou ao sair de reunião com Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em Brasília.

Segundo ela, o fenômeno ainda guarda relação com práticas da época da ditadura militar. “Há uma cultura nas instituições brasileiras que foi formada ao longo do tempo e que tem no epicentro da formação cultural manuais nefastos e perversos que foram lançados na preparação de agentes policiais para orientar como torturar para [obter] delação da resistência.”

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