Corregedor sobre caso Herzog: verdade ‘pode machucar, mas não pode ser oculta’

José Renato Nalini afirma ao Ministério Público que não se pode 'sacrificar a verdade' e representar um 'cenário de ficção' se o desejo é garantir que atos 'que envergonham a espécie humana' não se repitam

São Paulo – O corregedor-geral de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, considera equivocada a visão do Ministério Público estadual de tentar barrar a revisão do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 nas dependências do DOI-Codi, centro de operações da ditadura (1964-1985). “A verdade pode machucar, mas ela não pode ser oculta. O prestígio exagerado da forma fez do universo jurídico uma seara propícia a representar um cenário de ficção”, afirmou, ao rejeitar recurso apresentado contra a decisão de primeira instância. “É preciso levar a Constituição a sério e ela não se compatibiliza com a satisfação do formalismo, em detrimento do justo, do real e do verdadeiro.”

Nalini pensa que o promotor Francismar Lamenza se apegou excessivamente ao formalismo ao pedir que se recusasse a possibilidade de que o atestado de óbito passe a informar que Herzog morreu vítima de “maus tratos”, e não de “enforcamento”, versão oficial mantida pelos militares. “O compromisso dos registros públicos é com a verdade real”, assinala o corregedor, cuja sentença foi divulgada pela Comissão Nacional da Verdade, responsável pelo pedido apresentado ao Judiciário paulista.

“O anacronismo da cultura jurídica ainda não se compenetrou de todo com a realidade brasileira”, acrescenta Nalini, que recordou ao Ministério Público que a atual legislação sobre registros públicos é anterior à Constituição, portanto formulada por um regime autoritário. Sendo assim, atender às formalidades legais não é suficiente, indica: “Ela traduz o que de fato ocorreu nas dependências estatais onde ele foi morto? Por que sacrificar a verdade à forma? Não é essa a vontade fundante que consagra a transparência como um dos valores republicanos, estratégia pedagógica para que novos atos que envergonham a espécie humana sejam banidos do convívio democrático”.

O corregedor argumenta que o “muro formalista” do Direito abre brechas para que se possa usar o Judiciário com a finalidade de realmente promover atos de justiça e de garantir uma “democracia que se auto-defende”. Neste sentido, ele elogia a decisão do juiz Márcio Martins Bonilha Filho, de primeira instância, ao garantir o cumprimento da função “corretiva” que cerca a atividade do juiz. “A decisão não é meramente formal, senão emblemática.”

 

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