Reitor falta a ato em defesa de instalação de Comissão da Verdade da USP

Estudantes e professores tentam entregar abaixo-assinado com aproximadamente 4 mil adesões, mas Rodas não comparece nem envia representante

São Paulo – O reitor da Universidade de São Paulo (USP), João Gradino Rodas, não compareceu a um ato público realizado ontem (7) em defesa da criação de uma Comissão da Verdade no âmbito da instituição. O objetivo da comissão – demanda apoiada por um abaixo-assinado contendo 4 mil adesões – é investigar crimes cometidos pelo Estado contra professores e estudantes durante a ditadura, entre 1964 e 1985, período no qual estima-se que 47 pessoas ligadas à comunidade acadêmica foram assassinadas.

Representantes de entidades de professores e centros acadêmicos lamentaram, além da ausência de Rodas, que nenhum representante da Reitoria tenha prestigiado o evento. O abaixo-assinado que seria entregue ao reitor foi lançado em junho, pelo Fórum Aberto pela Democratização da USP, que reúne a Associação dos Docentes da USP (Adusp), o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) centros acadêmicos de várias faculdades e grupos políticos da universidade. O fórum informou que, embora não tenha sido entregue, o documento será protocolado hoje e que uma reunião com representantes da reitoria está marcada para o dia 21.

Do ato, no Instituto de Oceanografia, participaram cerca de 200 pessoas. Uma delas, a filósofa Marilena Chauí, disse à reportagem da Rádio Brasil Atual que a reitoria não compareceu ao evento por ser contrária ao projeto de trazer à tona a verdade sobre o período ditatorial. “O reitor Grandino Rodas pertence à extrema direita, ao grupo que produziu esse efeito. A vinculação dele com os remanescentes da ditadura torna impossível o comparecimento dele. Por definição, ele pertence a uma posição acadêmica e política contrária a esse movimento de democratização”, afirmou.

Para ela,  a instalação de uma Comissão da Verdade na USP vincularia a maior universidade do país a um movimento nacional, no qual o governo federal e alguns estaduais, com comissões em suas casas legislativas, estão recuperando a memória da Ditadura. “A USP teve, desde 1964, professores cassados. Depois, teve professores e estudantes presos, torturados, mortos e desaparecidos. É preciso refazer essa história, em um momento em que o país inteiro trabalha isso.”

O juiz Jorge Luiz Souto Maior, professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e diretor da Associação Juízes para Democracia, defende que os resultados das investigações da comissão, uma vez instalada, componham o acervo de informações a serem encaminhados às autoridades. “Os fatos apurados deverão ser conduzidos ao Ministério Público Federal ao Ministério Público Estadual para a implementação de ações na perspectiva punitiva”, disse.

O professor de filosofia Edson Telles, da Unifesp, afirmou que tanto os trabalhos da Comissão da Verdade na USP, quanto a atuação do Ministério Público são fundamentais. “Uma coisa é uma comissão chamar vítimas e pessoas que de alguma forma estiveram envolvidos com a ditadura, outra coisa é um juiz intimar um torturador da ditadura a depor em processo judicial. Acredito que a coligação das ações desses movimentos pode de fato transformar nossa democracia”.

Telles foi parar na prisão com 2 anos de idade, junto com sua irmã de 5, quando seus pais, militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), foram levados pelos órgãos de repressão. “Foi da articulação conjunta das famílias com o MP que conseguimos hoje abrir os primeiros processos penais em relação aos torturadores da ditadura”, disse. Sua família conseguiu, judicialmente, o reconhecimento do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra como torturador. Ustra foi chefe do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) – um dos principais centros de tortura do regime.

O procurador da república Sérgio Suiam, autor de ações contra Ustra, presente ato ato, declarou que vai utilizar as informações da comissão. O coordenador do Fórum pela Democratização da USP, Fabio Nóbrega Franco, afirmou que o grupo quer uma Comissão da Verdade autônoma e independente, em condições de exercer seus trabalhos sem qualquer tipo de coerção da reitoria. “Pleiteamos, exigimos, uma Comissão da Verdade democrática, composta por todas as categorias da comunidade acadêmica”, disse.

Durante o período da ditadura, vários professores e alunos sofreram com as ações repressivas da Ditadura. A morte da professora Ana Rosa Kucinski, do Instituto de Química, é um desses casos. Irmã do jornalista e escritor Bernardo Kucinski, desaparecida junto com seu marido, Wilson Silva, em 22 de abril de 1974, foi demitida da USP “por não comparecer a suas aulas”. Apesar de depoimentos de militares indicarem a tortura e o assassinato do casal, seus corpos ainda não foram encontrados.

 

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