Com vítimas não identificadas, crimes em São Paulo seguem sem solução

São Bernardo do Campo – O medo e a insegurança estão espalhados pelas ruas na onda de violência que tomou o estado de São Paulo nas últimas semanas. Todo dia pessoas […]

São Bernardo do Campo – O medo e a insegurança estão espalhados pelas ruas na onda de violência que tomou o estado de São Paulo nas últimas semanas. Todo dia pessoas desaparecem e morrem. Muitos mortos ficam sem identificação, o que dificulta a solução dos casos. Isso somado à falta de investigações permite que o Estado não consiga explicar quem está morrendo ou mesmo quem está matando. No ABC paulista, a situação não é diferente.

Até agora, os familiares de José (nome fictício), 45 anos, não sabem dizer onde, quando ou por que ele foi morto com dois tiros na cabeça. Tudo o que sabem é que o empresário de Santo André saiu da casa da irmã na noite de 8 de novembro e não foi mais visto. José desapareceu na mesma noite em que houve uma chacina no município, na qual cinco pessoas, não identificadas nos boletins policiais, morreram.

José estava, de acordo com a família, com todos os documentos e uma conta de energia elétrica na carteira no dia em que desapareceu. “Não fomos avisados sobre nada. Só o encontramos no sábado (10) à noite no hospital, internado como morador de rua”, revelou a irmã, que preferiu não se identificar.

Sem aviso

A família buscava por José desde a sexta-feira (09), em IMLs (Institutos Médico-Legal) e hospitais. “Quando o encontramos, questionei o hospital por que não fomos avisados de nada. Não souberam me explicar, apenas me entregaram os documentos dele em um saco plástico igual aos usados pela polícia”, afirmou a irmã da vítima. 

José teve morte cerebral, ficou internado por uma semana e teve a morte declarada dia 15 passado. Revoltada e com medo, a família diz que não buscará mais informações. “Não sabemos o que aconteceu e agora não queremos mais saber. Nada trará meu irmão de volta. Já sofremos muito”, comentou a irmã. 

Para a Marilda Pansonato Pinheiro, presidenta da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, que congrega 4 mil delegados, a falta de identificação das vítimas e de investigação dos casos é consequência do sucateamento e desmantelamento da Polícia Civil. “O DHPP [Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa] está com mais de 4 mil inquéritos para investigar e lá há apenas 12 delegados. O trabalho é humanamente impossível de se realizar. Não temos preenchimento de cargos há 18 anos.”

Procedimento

A Secretaria de Segurança Pública estadual explicou que, em casos de vítimas baleadas, a Polícia Militar deve socorrer e apresentar o caso na delegacia, onde a Polícia Civil realizará a identificação da vítima e localizará a família. Porém, no caso de José, como ele estava com os documentos e até mesmo um comprovante de endereço, a própria PM poderia ter realizado o contato com a família. 

A PM não soube informar se o caso está sendo investigado e não confirmou se foi a própria polícia que realizou o socorro a José. A assessoria apenas solicitou que as perguntas fossem direcionadas à Polícia Civil. A SSP explicou que só poderia buscar informações se soubesse em qual delegacia o caso foi registrado. Tal informação é desconhecida até o momento.

Histórico de impunidade favorece crise

Os especialistas ouvidos pelo ABCD MAIOR acreditam que o sucateamento da Polícia Civil, somado ao histórico de impunidade por crimes cometidos pela polícia, é um dos principais motivos para que algumas das vítimas da escalada da violência, instalada na Região Metropolitana de São Paulo nas últimas semanas, não sejam identificadas, e para que os casos não sejam solucionados. 

“Não há investimento na parte investigativa da polícia. Ao invés disso, o governo estadual deu preferência apenas ao militarismo. O desmonte escancarado da Polícia Civil trouxe a desmotivação ao trabalho”, comentou a presidenta da Associação dos Delegados de Polícia.

Na visão da coordenadora-adjunta do Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Alessandra Teixeira, a situação vai além do sucateamento da Polícia Civil. “Historicamente, as mortes cometidas por policiais, chamadas de resistência seguida de morte, nada mais são do que uma licença para matar. Nos últimos dias, essa cultura de impunidade se alastrou devido aos grupos de extermínio”, explicou. 

Negligência

Para o deputado federal Vanderlei Siraque (PT), a negligência da polícia de São Paulo vem desde os anos 1980. “Não existe planejamento, investimento na polícia científica, há um forte sistema de corrupção, a corregedoria é fraca e as investigações não são feitas, de modo que não dá para evitar os crimes futuros”, opinou.

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