Para STF, punição a ditadura só se for no vizinho

Ministros do Supremo aceitam extraditar sequestrador argentino entendendo que se trata de um crime ainda em andamento; expectativa é saber se manterão a linha quando julgarem os casos brasileiros

Quando os primeiros processos sobre os sequestradores brasileiros chegarem ao STF, será a vez de Mendes e seus colegas mostrarem se têm apenas um peso e uma medida (Foto: Renato Araújo. Arquivo Agência Brasil)

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) reiterou a leitura de que é possível levar à prisão sequestradores enquanto não for comprovada a morte ou o fim do crime. Ontem (18), por unanimidade, a Segunda Turma do STF decidiu extraditar para a Argentina Cláudio Vallejos, acusado por uma série de violações durante a última ditadura (1976-83) naquele país.

Relator do processo, o ministro Gilmar Mendes lembrou as decisões anteriores a respeito, também tomadas em casos de militares argentinos, na qual se indicava que o crime de sequestro segue em vigência enquanto não se comprove a morte da vítima ou a libertação. Para Mendes, embora o Brasil não tenha ratificado as convenções internacionais que tratam da imprescritibilidade deste tipo de crime, dada a natureza permanente do desaparecimento forçado de pessoas, o prazo de prescrição somente começa a contar quando se dê fim ao caso – ou seja, enquanto isso pode-se processar, condenar e prender o violador de direitos humanos. Resumindo a argumentação do magistrado, “nos delitos de sequestro, quando os corpos não forem encontrados, em que pese o fato de o crime ter sido cometido há décadas, na verdade está-se diante de um delito de caráter permanente, com relação ao qual não há como assentar-se a prescrição”.

A decisão vem em um momento em que organizações de direitos humanos e, em especial, o Ministério Público Federal (MPF) reforçam as ações que visam a condenar agentes da ditadura brasileira (1964-85). Foram protocolados até agora três processos baseados nos casos anteriores de extradição de agentes da ditadura argentina, exatamente a mesma argumentação reforçada esta semana por Mendes. Inicialmente, dois foram rejeitados pela Justiça Federal no Pará, mas a magistrada Nair Cristina Corado Pimenta de Castro reviu decisão anterior tomada por um substituto e decidiu dar sequência aos casos do major da reserva Lício Augusto Maciel, conhecido como doutor Asdrúbal, e do coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, ambos acusados de sequestros durante a Guerrilha do Araguaia, no começo da década de 1970. 

Já um terceiro caso, este apresentado à Justiça Federal de São Paulo, foi rejeitado: o juiz substituto Márcio Rached Milani recusou dar sequência à ação contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi, um dos principais aparelhos da repressão, acusado pelo rapto do líder sindical  Aluísio Palhano Pedreira Ferreira em 1971. Para Milani, deve-se presumir que Palhano esteja morto.

Ressalvas

A decisão de Mendes, aceita pelos demais ministros, está, porém, repleta de ressalvas. O magistrado reafirmou a visão de que estão prescritos, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, os crimes de tortura e homicídio, uma vez que já se passaram mais de 20 anos da data dos fatos. Com isso, o relator afirmou que a extradição à Argentina será concedida apenas com base no sequestro e é condicionada ao compromisso de que o réu fique preso por no máximo 30 anos, limite da legislação brasileira. De todo modo, como Vallejos responde a processo no Brasil por peculato, só será possível enviá-lo à Argentina depois que o processo no Brasil for concluído. 

Não se trata de um cuidado menor: a maioria dos ministros do STF decidiu, em 2010, rejeitar ação apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que tentava abrir caminho à punição de torturadores. Em dezembro daquele ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro pelos crimes cometidos durante a Guerrilha do Araguaia e manifestou que a Lei de Anistia, de 1979, não deveria ser empecilho à investigação dos fatos e à condenação dos violadores de direitos humanos. Agora, a OAB aguarda o julgamento de um recurso apresentado ao Supremo.

Outra questão levantada por Mendes diz respeito ao fato de o Brasil ainda não ter ratificado a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, criada em 1994 pelos países-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA). A matéria chegou a ser aprovada no ano passado pelo Congresso, mas, desde então, espera por promulgação. Que o ministro tenha levantado a questão agora é um indicativo de que este será um dos argumentos utilizados para fazer com que os sequestradores brasileiros continuem livres de punição? Quando os primeiros casos chegarem à Corte, saberemos. 

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