Investigação aponta problemas de saúde e segurança em frigoríficos brasileiros

Trabalho precário nas principais indústrias de carne é tema de grande reportagem da ONG Repórter Brasil

Os índices de traumatismos e transtornos mentais são elevados (Foto: Maurício Farias/Associação Brasileira de Criadores de Zebu)

São Paulo – Quem trabalha em um frigorífico se depara diariamente com uma série de riscos que a maior parte das pessoas sequer imagina. Exposição constante a facas, serras e outros instrumentos cortantes; realização de movimentos repetitivos que podem gerar graves lesões e doenças; pressão psicológica para dar conta do alucinado ritmo de produção; jornadas exaustivas até mesmo aos sábados; ambiente asfixiante e, obviamente, frio – muito frio.

No Brasil, os danos à saúde gerados no abate e no processamento de carnes destoam da média dos demais segmentos econômicos. São elevados os índices de traumatismos, tendinites, queimaduras e até mesmo de transtornos mentais. Para enfrentar tais problemas, é urgente reprojetar tarefas, introduzir pausas e, em alguns casos, diminuir o ritmo das linhas de produção. Medidas que, no entanto, esbarram em resistências de indústrias do setor.

A rotina dos trabalhadores da indústria de abate de aves, suínos e bovinos envolve inúmeros riscos devido ao manuseio de instrumentos cortantes, a pressão por altíssima produtividade e, não raro, jornadas exaustivas em ambientes frios e insalubres.

Produzida pela ONG Repórter Brasil, a investigação Moendo Gente (www.moendogente.org.br) mostra os maiores problemas da indústria dos frigoríficos, um dos principais setores do agronegócio nacional. Atualmente, emprega mais de 750 mil pessoas e, em 2011, chegou a exportar o equivalente a US$ 15,64 bilhões em carnes.

A investigação dá continuidade à pesquisa da Repórter Brasil iniciada para a realização do premiado documentário “Carne Osso – O Trabalho em Frigoríficos“, vencedor de festivais dentro e fora do país.

Problemas de saúde

Na unidade de Rio Verde (GO) da Brazil Foods, segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT), cerca de 90 mil pedidos de afastamento foram registrados entre janeiro de 2009 e setembro de 2011. É como se a cada 10 meses todos os 8 mil empregados do frigorífico tivessem de se ausentar por ao menos uma vez devido a problemas de saúde relacionados ao trabalho.

Os afastamentos por distúrbios osteomusculares (os chamados Dort) foram os mais recorrentes – uma média altíssima de 28 atestados por dia, ou 842 por mês.

Atividade de alto risco

Uma das características do trabalho em frigoríficos é a elevada carga de movimentos repetitivos. Trabalhadores das indústrias de aves desossam, no mínimo, quatro coxas de frangos por minuto. Nessa função, há funcionários que realizam até 120 movimentos diferentes em apenas 60 segundos, enquanto estudos ergonômicos apontam que o limite de ações por minuto deve ficar na faixa de 25 a 33 movimentos por minuto para evitar o aparecimento de doenças osteomusculares.

Fiscalizações feitas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) vêm constatando prolongamento irregular da jornada de trabalho, com expedientes que chegam a superar 15 horas diárias.

Especialistas em saúde do trabalho afirmam que as lesões por esforços repetitivos têm como um dos fatores facilitadores e agravantes a exposição a baixa temperatura.  Além disso, o trabalho contínuo com facas, serras e outras ferramentas afiadas, aliado a jornadas exaustivas, elevam o risco de acidentes da atividade.

Órgãos governamentais e autoridades competentes estão cientes dos riscos que o trabalho em frigoríficos gera à saúde de seus empregados. Segundo dados oficiais do Ministério da Previdência Social (MPS), quando se comparam os problemas de saúde gerados especificamente pelo abate e processamento de carne com os danos provocados por todos os demais segmentos econômicos brasileiros, o resultado da matemática é assustador.

No abate de bovinos, ocorrem duas vezes mais traumatismos de cabeças e três vezes mais traumatismos de abdômen, ombro e braço do que em outras atividades. O risco de sofrer uma queimadura é seis vezes superior.

No abate de aves, a chance de um trabalhador desenvolver um transtorno de humor, como uma depressão, é 3,41 vezes maior. No abate de aves e suínos, o risco de sofrer uma lesão no punho ou nos plexos nervosos do braço é 743% maior.

Legislação específica para o setor

A legislação trabalhista do Brasil já prevê uma série de medidas que, se devidamente aplicadas, contribuiriam para a proteção da saúde dos empregados do setor de frigoríficos. O artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por exemplo, determina a realização de intervalos de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho para amenizar os efeitos do frio. Há normas semelhantes para mitigar os problemas gerados pelos movimentos repetitivos. Só que as empresas nem sempre cumprem essas determinações e, por essa razão, vêm sendo acionadas judicialmente pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

Desde 2010, a Secretaria Nacional de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (SIT/MTE) vem debatendo com representantes de empresas, trabalhadores e órgãos competentes, como o Ministério Público do Trabalho, o texto de uma Norma Regulamentadora (NR) que vai disciplinar o trabalho em frigoríficos.

Se aprovada, a NR fornecerá detalhes sobre o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) aos trabalhadores; a adequação dos postos de trabalho, levando em conta os instrumentos (facas, serras) e o mobiliário (mesas, esteiras); a velocidade e o ritmo de trabalho, e a concessão de pausas aos empregados. Esse último ponto é o que tem sido objeto de mais controvérsias nas discussões sobre a nova NR, que pode ser aprovada ainda em 2012.

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