Comoção marca desfile pelo fim dos massacres em São Paulo

Cordão da Mentira lembra os 20 anos do episódio do Carandiru e o 'genocídio popular' praticado até hoje pelo governo do Estado

As Mães de Maio colocaram fotos dos filhos assassinados na entrada do Fórum e pediram o fim da impunidade dos agentes do Estado (Foto: Rodrigo Gomes/RBA)

São Paulo – Militantes de direitos humanos, artistas, estudantes, músicos e familiares de vítimas do Estado realizaram na tarde de hoje (29) o segundo desfile do Cordão da Mentira, sob o tema “Quando vai acabar o genocídio popular?”. O ato é parte da semana pelo fim dos massacres e em memória dos 20 anos do massacre do Carandiru, quando 111 presos foram assassinados pela tropa de choque da Polícia Militar (PM). A série de manifestações é organizada pela Rede Dois de Outubro, formada por diversas organizações de direitos humanos.

Durante a concentração, no Largo General Osório, próximo à estação da Luz, houve um sarau de poesias que evocavam o tema do ato, questionando os massacres de ontem, como no período da ditadura de 1964, e de hoje, como o próprio massacre do Carandiru e os crimes de maio de 2006, quando cerca de 500 pessoas foram assassinadas por grupos de extermínio, em represália aos atentados cometidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).

Contando com cerca de 300 participantes, o Cordão iniciou sua caminhada por volta de 14h e percorreu o centro da capital protestando, cantando e dançando, com destino à Praça da Sé. Apesar da alegria do ato, as músicas, escritas por integrantes do Cordão da Mentira, eram fortes, com refrões como “a mãe que lamenta/ o filho que parte/ na cena sangrenta/ não existe arte”. Durante o percurso foram feitas intervenções cênicas em locais emblemáticos de violência e das operações de remoção da população pobre do centro da cidade.

O Cordão da Mentira fez sua primeira apresentação pública em 1º de abril deste ano, sob o tema “Quando vai acabar a ditadura civil-militar?”. De acordo com o músico Selito SD, um dos organizadores do Cordão, a proposta é ser uma ação contestadora, discutindo temas políticos e sociais, pautada pela estética artística. Para ele a situação de genocídio popular não é um momento isolado. “Essa situação de violência que vivenciamos é apenas um recorte temporal nessa longa trajetória deste processo chamado Brasil. O nosso tema é um questionamento a esse estado de coisas, a essa prática genocida contra a população pobre, negra e indígena, que é histórica”, explica Selito.

O primeiro ponto de parada foi em frente à sede do Projeto Nova Luz, que, de acordo com a prefeitura, pretende revitalizar a região. Atores mascarados sentaram e se escoraram na entrada da sede, lembrando as pessoas removidas do local e os usuários de drogas, vítimas de diversas ações consideradas higienistas, enquanto um personagem político discursava ironicamente sobre os benefícios do projeto. “Tiramos o povo, mas teremos um memorial da democracia e o local limpo dessa gente que veio sei lá de onde”, dizia a personagem, que foi vaiado pelos manifestantes.

Os manifestantes pararam novamente em frente ao prédio ocupado na rua Mauá, onde realizaram nova intervenção cênica. Nesse momento, um barraco de papelão foi incendiado, enquanto o personagem político fazia sinais de vitória e o morador observava. Após o incêndio, o morador andava atônito ao redor dos destroços. “Eu queria construir uma ruína, embora saiba que uma ruína é uma desconstrução. Mas lírios nascem de ruínas”, declamou o personagem morador.

Para o militante do Movimento Mães de Maio e da Rede Dois de Outubro Danilo Dara, a violência não se dá apenas na prática de extermínio. “O genocídio tem vários aspectos, está presente na saúde desatendida, no transporte precário, nos incêndios em favelas, nas remoções forças. Então essas intervenções do Cordão têm tudo a ver com a discussão sobre o fim dos massacres contra a população pobre e negra, pelo fim de todos os tipos de massacre”, explica Dara.

O Cordão cruzou o viaduto Santa Ifigênia e seguiu até a Secretaria de Segurança Pública, onde houve nova cena teatral, com os atores “feridos”, deitando-se na entrada da Secretaria. No carro de som se repetia o argumento do governador Geraldo Alckmin, de que quem não reagiu estava vivo, após a ação da Ronda Ostensiva Tobias Aguiar (Rota), que matou nove pessoas no interior de São Paulo em 11 de setembro. As Mães de Maio deitaram cruzes e fotos de vítimas da violência do Estado na entrada do prédio.

Mas o momento mais forte do ato foi na frente do Fórum Hely Lopes Meirelles. As Mães de Maio deitaram novamente suas cruzes e fotos, e se juntaram atrás de uma faixa onde se lia “sem justiça não haverá paz”. Houve um silêncio profundo entre os manifestantes e muitos acompanharam as mães em suas lágrimas de saudade e indignação. Até hoje ninguém foi responsabilizado pelas mortes ocorridas em 2006. Aos poucos foi se ouvindo o refrão, sem acompanhamento instrumental, da música Quando Ouvi o seu Silêncio: “Não houve grito ou palavra/ Só choro, gesto, gemido/ Do vazio fez-se eco/ Quando ouvi o seu silêncio”.

Após esse momento de emoção intensa a marcha seguiu até a Praça da Sé, local definido para o encerramento do ato, ao som de Sangria Desatada: “Passa a noite vem dia/ passa o dia vem a noite/ segue a saga de agonia/ segue a sina do açoite”. Já concentrados no coração da cidade, os manifestantes ainda tinham ânimo para a cantar junto com os rappers de vários pontos da cidade que se apresentaram para finalizar o ato. 

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