Aceita primeira denúncia penal no Brasil contra colaborador da ditadura

Major da reserva Lício Augusto Maciel será o primeiro a se transformar em réu numa série de ações apresentadas pelo Ministério Público Federal pelas violações do passado

São Paulo – A 2ª Vara Federal em Marabá (PA) acatou denúncia contra o major da reserva Lício Augusto Maciel, conhecido como doutor Asdrúbal, pelos crimes cometidos durante a repressão à Guerrilha do Araguaia, na década de 1970, contra militantes que resistiam à ditadura (1964-1985). A ação do Ministério Público Federal é a primeira a ser aceita pelo Judiciário brasileiro no âmbito criminal, ou seja, que pode resultar em prisão.

A decisão foi registrada ontem (29) pela juíza Nair Cristina Corado Pimenta de Castro, mas o teor da argumentação ainda não foi divulgado. Na denúncia, o Ministério Público Federal pede que o militar reformado seja condenado por sequestro e cárcere privado, o que pode render uma pena de até cinco anos em regime fechado. Na visão dos procuradores que têm investigado casos desse tipo, o desaparecimento forçado continua em curso até que apareça o corpo ou que seja comprovada a morte da vítima.

O major Lício foi denunciado pelo rapto de  Divino Ferreira de Sousa, conhecido como Nunes, visto pela última vez em 1973. Segundo as apurações, o combatante foi emboscado em 14 de outubro daquele ano pelas tropas comandadas por Lício. Os três guerrilheiros que acompanhavam o militante foram mortos no mesmo momento, e Divino foi levado com vida para a base militar da Casa Azul, em Marabá. 

“As notícias e relatos acerca da suposta morte de Divino Ferreira de Souza são contraditórias, imprecisas e insuficientes para a caracterização do homicídio”, observam os procuradores. “Insiste-se que enquanto não houver prova bastante da morte, com a identificação do paradeiro da vítima e de seus restos mortais, descabe presumir a consumação de um homicídio para fins de definição do enquadramento típico penal do fato.”

Antes disso, duas ações com base na mesma argumentação haviam sido rejeitadas. A primeira, em março, era contra o coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, pelos sequestros de cinco militantes também durante a Guerrilha do Araguaia. Na ocasião, o juiz federal João César Otoni de Matos, também de Marabá, valeu-se de interpretação adotada em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que a Lei de Anistia, aprovada em 1979, dá guarida às violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado.

Depois dele, em maio, o juiz substituto Márcio Rached Millani, da 10ª Vara Federal Criminal em São Paulo, recusou aceitar uma denúncia contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi, um dos principais centros de repressão e tortura. O Grupo de Justiça de Transição do MPF pedia a condenação dele e do delegado de Polícia Civil Dirceu Gravina pelo sequestro do líder sindical Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, desaparecido desde 1971.

Este mês, porém, Ustra sofreu um revés: o Tribunal de Justiça de São Paulo o reconheceu como torturador e responsável pelas ações criminosas ocorridas no DOI-Codi. A ação, movida pela família Teles, não resulta em condenação penal, mas abre caminho para que novas denúncias sejam apresentadas contra o coronel da reserva.

Antes disso, o juiz Guilherme Dazem Madeira havia acatado pela primeira vez a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao determinar que fosse alterada a causa da morte do militante João Batista Drumond, assassinado em 1976. A Corte, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Brasil no caso Gomes Lund, relativo à Guerrilha do Araguaia, e determinou que a Lei de Anistia deixasse de servir como empecilho para investigar e punir os crimes cometidos por agentes do Estado.

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