Nova proposta de ruralistas abre portas para aquisição de terras por estrangeiros

Matéria discutida na Câmara pode representar 'segundo passo' do Código Florestal e intensificar especulação imobiliária, mercado de carbono e comércio de reservas ambientais

Para Marcos Montes, terras nas mãos de estrangeiros não significa perda da soberania nacional (Foto: Gustavo Lima/Agência Câmara)

São Paulo – O que para alguns é a concretização de um leilão de terras brasileiras, para outros é a única saída para a segurança jurídica na aquisição de imóveis rurais por estrangeiros. A discussão se dá em torno do Projeto de Lei 4059, de 2012, do deputado Marcos Montes (PSD-MG), que derrotou o relatório original de Beto Faro (PT-BA) dentro da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara. Ambos os textos tratam da regulação do comércio de terras para estrangeiros. 

“Imagina a China, que é grande demandante de matéria-prima, seu porte agrícola. Nós aqui seríamos como se fosse o prolongamento do território deles”, diz Gerson Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).

O primeiro texto, do deputado petista, limita a compra de terra por empresas nacionais controladas pelo capital estrangeiro. Em maio deste ano, Montes apresentou outro conteúdo, já encaminhado para apreciação nas comissões, que flexibiliza a aquisição e o arrendamento de terra por pessoas físicas estrangeiras e por empresas com sede fora do Brasil.

Atualmente, o comércio de terras para estrangeiros e empresas brasileiras controladas por estrangeiros sofre restrições por conta de parecer da Advocacia Geral da União (AGU). A operação é liberada para a compra de, no máximo, 50 módulos fiscais para pessoas físicas e 100 módulos fiscais para empresas estrangeiras.

“Qualquer empresa que tenha 0,1% de capital nacional e o restante seja capital estrangeiro, ela passa a ser uma empresa nacional e pode adquirir terra na quantidade que queira. Lógico que é uma preocupação porque qualquer estrangeiro que queira comprar terra no país, pode arrumar um laranja no Brasil”, afirma o deputado Valmir Assunção (PT-BA), integrante da Comissão de Agricultura e vice-líder do partido na Câmara.

“Essas aquisições de terras são, normalmente, para fins de empreendimentos de longo prazo, como a questão das florestas, da cana de açúcar, e isso é interiorizado; as extensões de terra são adquiridas mais no interior do país, em locais onde nós precisamos de mão de obra”, argumentou, por sua vez, o deputado Marcos Montes, segundo reportagem publicada na página de seu partido.  Ele ainda afirmou que o percentual de terras que está nas mãos das empresas com capital estrangeiro é insignificante.

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 4,348 milhões de hectares estão nesta condição, o que representa 0,5% do território brasileiro. O estado com maior área é o Mato Grosso, com 844 mil hectares. O Incra reconhece, entretanto, que a quantidade de terras em mãos de estrangeiros é superior aos números oficiais, já que não houve exigência de controle sobre essas aquisições entre 1997 e 2010. Mesmo antes de 1997, muitos cartórios se acreditavam desobrigados desse tipo de registro.

Soberania

Se o projeto de Montes prosperar, cada município poderá ter 25% de seu território nas mãos de estrangeiros, em caso de empresa controlada por capital estrangeiro não haverá limite para compra da terra, pois será tratada como empresa nacional.

“Esse projeto concentra terra cada vez mais, exclui os brasileiros pobres de ter acesso à reforma agrária. Outros países vão querem utilizar o Brasil como uma porta de entrada para poder ter acesso à terra. Isso é um desserviço à população brasileira”, lamenta Valmir Assunção.

Marcos Montes afirma, no entanto, que o fato de uma área pertencer a estrangeiro não implica perda da soberania. O Estado, observou, continua com a faculdade de desapropriar a área se não estiver cumprindo sua função social ou desapropriar por interesse social.

A relação com o Código Florestal

O projeto de lei que libera o comércio de terras por estrangeiros é tido como uma extensão do debate sobre o Código Florestal, que flexibilizou as leis de preservação ambiental, e é enxergado como um tema tratado de maneira distraída pelo governo. Há temor de que a matéria represente mais uma vitória da bancada ruralista sobre qualquer outra força que trabalhe contra o projeto. Os parlamentares ligados ao setor do agronegócio vêm, nos últimos dois anos, atropelando qualquer oposição a suas propostas, sejam elas ambientais, agrárias ou de segurança alimentar.

“No Código Florestal, o governo primeiro aceitou a indicação de um relator totalmente favorável ao que os ruralistas queriam. Aí, quando o governo quis evitar o pior, a coisa já estava feita. Então essa questão das terras pode ser que se passe a mesma coisa. A intervenção tardia no tema complica ainda mais os resultados do processo no Legislativo”, adverte Gerson Teixeira.

Para Valmir Assunção, a expectativa daqui em diante é de levar o debate ao plenário da Câmara dos Deputados e apostar na divisão dos ruralistas. “Não é possível que os empresários do agronegócio brasileiro, na sua grande maioria aqui na Câmara, vão aceitar permitir ou liberar geral para que qualquer estrangeiro, que tenha dinheiro, poder ter acesso à terra no Brasil”, esbravejou o parlamentar. Por se tratar de um projeto que tramita em caráter terminativo, é necessário apenas que passe em mais duas comissões na Câmara para que possa ser encaminhado ao Senado.

Outra possível consequência questionada refere-se ao fato de que, com a facilidade na compra, mercados paralelos poderão se fortalecer, distanciando ainda mais a terra de sua função social. Gerson Teixeira é quem faz o alerta. O presidente da Abra afirma que com esse novo comércio, o “agronegócio verde” ganha mais força. Ele explica: “Os títulos financeiros das terras que são negociados no mercado imobiliário, o mercado de carbono, e o mais recente mercado de reserva ambiental, que o Código Florestal instituiu, são exemplos de como isso pode perder o controle caso seja facilitada a compra de terra por estrangeiro”.

“A forma com que esse projeto está sendo concebido, sem qualquer tipo de restrição de aquisição do território nacional por estrangeiro, traduz o momento que a gente vive de hegemonia do agronegócio. O que é lamentável. Os ruralistas são praticamente empregados terceirizados desse capital”, conclui.

Arte: Agência Câmara

Diferenças das propostas sobre a compra de terras por estrangeiros

Leia também

Últimas notícias