Poetas da periferia de São Paulo mandam ‘bala no peito do capitalismo’

Fechamento do Sarau do Binho chama atenção para cena cultural que se desenvolve em bairros pobres. Ativistas culturais, entre eles o rapper Mano Brown, acreditam em repressão política

“Tirou o espaço meio que tirou nosso chão. Mas a poesia não tira”, diz Binho, poeta (Foto: CC Fora do Eixo/ Flickr)

São Paulo – Os saraus das regiões afastadas do centro começaram a se proliferar na cidade de São Paulo a partir de 2002, fomentados por políticas públicas como o programa de Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), criado no município em 2003, e os Pontos de Cultura, do governo federal. As duas políticas têm como principais características a transferência de recursos para produções artísticas e a quebra do paradigma de que não há arte na periferia, propiciando o surgimento de uma efervescente cena cultural e dando vazão aos anseios criadores dos moradores de bairros pobres da capital, expressos por meio de uma estética contestadora que une diversos bairros e movimentos sociais.

No entanto, enquanto essas políticas públicas têm ajudado a promover e incentivar os movimentos culturais na periferia, ativistas culturais criticam outras esferas do poder público, seja pela omissão, seja pela repressão. No final de maio, um dos mais importantes desses saraus foi fechado. O Sarau do Binho, que funcionava em um bar no Campo Limpo, bairro da zona sul da cidade, não tinha alvará de funcionamento e devia R$ 8 mil em multas. Para reabri-lo, o ativista cultural tenta arrecadar o dinheiro com contribuições feitas por meio de campanha no Catarse, página de arrecadação na internet. 

Mas, apesar de terem sido essas as justificativas para o fechamento do espaço, militantes, poetas, artistas, entre eles o rapper Mano Brown, consideram que a medida é mais um ato repressor do governo municipal, sob o comando do prefeito Gilberto Kassab. Para eles, a ação da prefeitura pretende reprimir um espaço de formação política, fortalecendo o que chamam de “ditadura da periferia”.

Baixe os arquivos de áudio para ouvir a reportagem:

Na primeira parte, Binho conta a história de seu bar, diz que é pessoa “non grata” para vereadores e afirma que a ditadura ainda existe na periferia. O poeta Luan Luando, autor do livro Manda Busca,

"Eles sabem que é foco de pensamento de esquerda e extrema esquerda" (Foto: CC Fora do Eixo/Flickr)

explica as influências do rap nos saraus e a necessidade da população de periferia de se expressar mediante a repressão policial. Ele também defende que o Sarau do Binho foi fechado em função de suas relações com movimentos sociais. O também poeta Akins Kintê, autor do livro Punga, e o rapper Mano Brown, dos Racionais, falam sobre a repressão em relação aos movimentos populares de resistência, definidos por Brown como de “extrema esquerda”. 

Link | Download

Na segunda parte, Rafael Mesquita, da Agência Comunitária Solano Trindade, aborda as políticas públicas que ajudaram a construir um cenário positivo para a proliferação dos saraus.

Link | Download

Thiago Vinicius, Rafael Mesquita e André Nankran da Agência Popular Solano Trindade propõe debate sobre direito à cidade (Foto: ©Danilo Ramos)

No terceiro bloco, Binho comenta a necessidade de se valorizar a cultura produzida nas periferias, exemplificada por ele pelas comunidades que estão além da ponte do Socorro, na zona sul de São Paulo, e afirma que o movimento cultural que se desenvolve nessa região reforça o sentimento de pertencimento a elas e a importância disso para transformar a realidade. Rafael Mesquita, da Agência Popular Solano Trindade, fala sobre o debate que está sendo travado sobre direito à cidade. Luan Luando critica as mídias tradicionais e a gestão tucana no estado de São Paulo. André Nankran e Rafael Mesquita, do coletivo de comunicação da Agência Popular Solano Trindade, falam sobre a importância do sarau do Binho e da estética contestadora dos artistas que o frequentavam. “É um sarau que não produz só arte”.

Link | Download

Na última parte da reportagem, Mano Brown e Thiago Vinicius, da Agência Popular Solano Trindade e do Banco Comunitário Maria Sampaio, abordam a conjuntura econômica do Brasil, a mudança de

"Nós não quer inclusão. Quer soberania mesmo" (Foto: CC Fora do Eixo/Flickr)

mentalidade dos brasileiros e a importância de se reconectar com a própria história para combater os malefícios da vaidade e do consumismo. “A nova treta é: comprar um livro ou comprar uma moto?”. Luan Luando rechaça a ideia de inclusão e diz que quer a soberania da periferia. “A bala que está atingindo o peito do capitalismo é a arte” e, para terminar, Helena Silvestre, do Luta Popular, canta no Sarau da Fundão, que ocorre todas as quintas-feiras, no Capão Redondo.

Link | Download

Leia também

Últimas notícias