CPI quer ‘escandalizar’ o tráfico de pessoas para despertar a sociedade

Para Arnaldo Jordy, presidente da CPI da Câmara, não existe consciência social da escala do problema, considerado 'um crime invisível' por Vanessa Grazziotin, presidente da CPI do Senado

Para Jordy, mães de desaparecidos não imaginam que por trás de tudo está o crime organizado (Foto: Cidadaniaevangelica.blogspot.com)

São Paulo – O tráfico de pessoas, terceiro crime mais praticado pelas quadrilhas organizadas em todo o mundo, que perde apenas para tráfico de drogas e armas, entrou fortemente na pauta do Congresso Nacional, com a abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado em abril de 2011 e na Câmara dos Deputados, em abril passado. O relatório dos senadores deve ser apresentado no início de agosto. Segunda-feira uma comissão fará uma diligência em Goiânia (GO) para tentar falar com vítimas e para conhecer o funcionamento do crime na capital com maior número de vítimas no país. Na Câmara, diante da complexidade do tema, os deputados conseguiram a ampliação do prazo de entrega do relatório de 13 de agosto para 14 de outubro.

“O Brasil está entre os cinco países com maior incidência de tráfico humano, e a sociedade não tem consciência da escala em que este problema se apresenta”, afirma o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), presidente da CPI. O deputado paraense foi autor da propositura desta comissão, depois de também ter sido autor e relator de CPI sobre violência contra crianças no Pará. Do inquérito, segundo ele, resultaram condenações de pessoas influentes e também a conclusão de que há uma rede de tráfico de adolescentes disseminada no Estado e que as autoridades não tem investigado com determinação suficientemente para frear essa “inominável e abominável prática”.

Jordy, destacando a exploração sexual como o principal objetivo do tráfico de pessoas, revela que o crime aparece disfarçado nas listas de pessoas desaparecidas. “Muitas mães, inocentemente, como fruto de seu sentimento materno, não acham que há algo de mais grave quando seus filhos somem. Elas acham que a filha (ou filho) desapareceu por ter tido alguma desavença em casa, por ter brigado com o namoradinho (a) ou que teve algum problema no grupo colegial. Só que muitas vezes esses jovens são vítimas de quadrilhas, aliciadas por organizações criminosas”, diz.

Mudar esse estado de coisas é um dos objetivos da CPI da Câmara. “Temos de investigar as mais de 200 rotas existentes de tráfico de pessoas no Brasil”, explicou Jordy. Um outro objetivo citado pelo deputado é colaborar para produzir uma legislação menos obsoleta, mais adequada. “Além disso, queremos escandalizar um pouco o tema para que a sociedade tome ciência e consciência”, disse Jordy. Ele avalia que hoje esse crime não é prioridade, e as pessoas não têm noção de que o perigo está muito mais próximo do que se imagina.”

Para o deputado, as meninas que desaparecem inexplicavelmente são atraídas pelas quadrilhas, geralmente, em função do seu grau de vulnerabilidade social econômica e familiar. Segundo ele, a mesma coisa pode ser dita em relação aos jovens que vislumbram a promessa de ser transformados em jogadores de futebol. “Meninos são capturados na Amazônia, no Centro-oeste, Nordeste, nas escolinhas de São Paulo e Rio de Janeiro para jogarem bola fora do país e, muitas vezes, veem frustrada a possibilidade de se tornarem um Neymar, um Ronaldinho, e não voltam mais. Sabe-se lá qual a destinação muitas vezes dada a essas pessoas”, observa.

Jordy conta que há algumas denúncias de desaparecimentos de crianças tiradas de escolinhas de futebol que estão sendo investigadas pela Polícia Federal. “São poucos casos, mas já há alguns que a PF investigou, tem escuta, sabe que a pessoa é vitima de tráfico humano, mas enquanto não se consumar o objetivo do criminoso não é possível dar o flagrante porque não tem caracterização de tráfico de pessoas até a fase do aliciamento”, detalha.

Mas o que se pode esperar efetivamente da CPI? “Pode ter certeza de que vamos apurar, desbaratar algumas quadrilhas, dar embasamento para uma legislação mais contemporânea, ajustar o ordenamento jurídico brasileiro e contribuir para que a sociedade fique mais alerta, mais prevenida em relação a essa questão”, garante.

No Senado

A senadora Vanessa Grazziotin (PcdoB-AM), que preside a CPI do Senado, diferentemente de Arnaldo Jordy, não tem envolvimento com o tema. Ela diz que o papel da CPI é tratar a questão pelo simbolismo. Que não é possível apurar os casos de forma aprofundada.  “Temos sim de dar uma força viva ao tema. Apesar de movimentar muitos recursos, é um crime invisível e não há estímulo para o poder público investigar”, afirma.

Os haitianos são um exemplo, para ela. “Tivemos uma migração forte dos haitianos recentemente. Muitos deles disseram que foram vítimas de exploradores traficantes haitianos para poder chegar ao brasil, mas o poder público não investiga”, acusa. 

Vanessa admite que a comissão mista do bicheiro Carlinhos Cachoeira atrapalhou o andamento da CPI do tráfico de pessoas no Senado. Ela disse que não entende por que está tão demorada a aprovação do 2º Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

A senadora defende a criação de uma legislação específica. “Não basta tratar do tráfico de pessoas no Código Penal porque seria como se nós admitíssemos que o correto no enfrentamento seria apenas penalizar as pessoas que cometem esse tipo de crime sem entender da necessidade de proteção das vítimas e da própria mudança cultural. Devemos apresentar a proposta de uma lei específica”, diz Vanessa.

O relatório final da CPI do Senado deve ser apresentado em agosto pela relatora, senadora Lídice da Mata (PSB-PA), que reforçou sua convicção de sugerir no documento que o Brasil adote legislação nova e específica para enfrentar o tráfico de pessoas depois de visitar os Estados Unidos, no início de junho, com o objetivo de saber como aquele país enfrenta o crime. “Há uma política avançada de proteção nos Estados Unidos que é praticada pelas organizações não governamentais, financiadas pelo governo – federal, estadual ou municipal –, que, em parceria, financiam programas de acolhimento para garantir proteção a essa população”, afirmou.

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