Transparência pública é exigência antiga da sociedade civil brasileira

Antes da aprovação de legislação específica, setores da administração federal, estadual e municipal vêm se esforçando para disponibilizar dados à população. Com a Lei de Acesso à Informação, sigilo passa a ser exceção

São Paulo – “Por mais preparados que estejamos, haverá um momento de novidade. Seremos desafiados diariamente”, prevê Izabela Correia, coordenadora de Promoção da Ética, Transparência e Integridade da Controladoria-Geral da União (CGU), sobre a Lei 12.527, que passa a vigorar nesta quarta-feira (16) em todo o país. “É um cenário novo para todos nós.”

A existência de uma legislação específica sobre o acesso à informação pode ser inédita no Brasil, mas a transparência pública não é precisamente uma novidade. A própria CGU há anos está envolvida em esforços para disponibilizar à sociedade dados produzidos pelo Estado, principalmente no que se refere aos gastos governamentais. Tanto que, em 2004, lançou o Portal da Transparência, onde o cidadão pode acompanhar pela internet a aplicação dos recursos públicos.

“Todas as esferas de governo no Brasil possuem alguma política sobre isso”, analisa Florencia Férrer, especialista em estudos sobre governo eletrônico. A consultora lembra que há mais de 20 anos é costume em alguns estados – como São Paulo e Minas Gerais – a publicação de informações sobre compras e licitações na internet. “O problema é a linguagem, que costuma ser difícil de entender até para quem trabalha com contas públicas.”

Apesar de valorizar a transparência, Florencia explica que não podemos ser ingênuos e esperar que absolutamente todas as informações do poder público cheguem ao conhecimento da sociedade. “O Estado é o maior produtor de documentos do país. É um volume de dados imenso, e há muita coisa que não é nem deve ser divulgada”, pondera. Como exemplo, cita as informações pessoais dos cidadãos, detalhes sobre armamento da polícia ou salários de alguns servidores. “Dar-lhes publicidade pode trazer mais prejuízos que benefícios.”

Cultura do acesso

Em 2011, a CGU realizou uma pesquisa com os trabalhadores da administração federal para avaliar a receptividade do funcionalismo aos ventos da transparência. “Nota-se alguma resistência”, reconhece Izabela Correia, “mas com indícios de abertura. Os órgãos estão trabalhando bastante na implementação da cultura do acesso”.

A coordenadora explica que, mesmo antes da aprovação da lei, no ano passado, a CGU começou a capacitar os servidores para que facilitassem ao máximo o acesso da população às informações públicas. “Também lançamos cartilhas para orientá-los e conduzimos cursos sobre transparência para as controladorias-gerais dos estados”, diz Izabela. “Percebemos que os funcionários ainda têm algumas dúvidas sobre a transparência, que devem ser dirimidas com o tempo. Com a LAI, existe um incentivo negativo ao sigilo.”

Alguns setores da sociedade brasileira esperavam ansiosamente a nova lei, que garante a todo cidadão o direito de requisitar informações de interesse pessoal ou coletivo junto aos órgãos da administração pública em todos os níveis – federal, estadual e municipal. É o caso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que em 2003 reuniu-se a ONGs e institutos de pesquisa no Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas. O objetivo, claro, era exigir e agilizar a aprovação da lei, cujo projeto circulava pelo Congresso desde então.

Atraso

“A legislação que conseguimos é a melhor possível”, avalia Marina Iemini Atoji, secretária-executiva do Fórum. “Uma das vantagens de tê-la aprovado tardiamente é que a LAI brasileira tornou-se uma das mais abrangentes do mundo.” O país demorou 14 anos – desde 1988, quando foi promulgada a Constituição – para regulamentar o direito de acesso à informação em território nacional. Um atraso em relação a outros países do continente.

Os Estados Unidos contam com legislação específica (a chamada Freedom of Information Act) desde 1966. No México, a LAI foi aprovada em 2002, com uma diferença importante em relação à brasileira: a existência de um órgão independente para zelar por seu cumprimento, o Instituto Federal de Acceso a la Información. “Mas não são textos tão completos como o nosso. Nestes países, a lei afeta apenas o governo central. Aqui, se aplica a todas as instâncias de poder”, compara Marina.

A secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso à Informação Pública acredita que a LAI será cumprida pelas autoridades brasileiras. Mesmo em casos delicados, como a violação dos direitos humanos por agentes do Estado, já que o artigo 21 proíbe o sigilo sobre dados relativos aos direitos fundamentais do cidadão. “Ainda que sejam divulgadas parcialmente – com tarjas pretas, como ocorre nos Estados Unidos – já é um avanço”, diz. “Mas temos algumas preocupações sobre qual será a competência dos funcionários públicos em classificar os documentos. Isso não está definido com clareza.”

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