Ministério Público vê ‘ingenuidade cruel’ em rejeição de ação contra Ustra

São Paulo – O Ministério Público Federal em São Paulo apresentou recurso contra a decisão da Justiça Federal de rejeitar abertura de ação penal contra o coronel reformado Carlos Alberto […]

São Paulo – O Ministério Público Federal em São Paulo apresentou recurso contra a decisão da Justiça Federal de rejeitar abertura de ação penal contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado da ativa da Polícia Civil paulista Dirceu Gravina, acusados pelo sequestro do militante Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, desaparecido desde 1971, durante a ditadura (1964-85).

Os argumentos são basicamente os mesmos que haviam sido adiantados à reportagem pela procuradora Eugênia Gonzaga, co-autora do recurso com a também procuradora Thamea Danelon de Melo. Elas pedem que o juiz federal Márcio Rached Millani reveja a decisão de negar a ação com base na leitura de que é improvável que Palhano, hoje com 90 anos, esteja vivo. 

“Querer que se prove que o desaparecido Aluízio está vivo, como condição para processar seus sequestradores e algozes, é mais uma afirmação de ingenuidade cruel do juiz para com as vítimas e familiares de mortos e desaparecidos políticos. É inaceitável negação de prestação jurisdicional”, lamentam.

Na ação inicial, os procuradores do grupo “Justiça de Transição” argumentam que, dado que o corpo não apareceu, o desaparecimento forçado continua em andamento, o que abre espaço para a condenação de Gravina e Ustra, responsáveis pelo sequestro, a uma pena que poderia variar de dois a oito anos de prisão. O pedido é embasado por duas decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao julgar pedidos de extradição da Argentina, aceitaram a alegação de que se trata de um crime continuado, que não prescreve enquanto não se apresente a prova da morte. 

Agora, o recurso reforça que o magistrado optou por uma decisão política, afastada da análise técnica da jurisprudência firmada em torno do caso. As procuradoras entendem que a rejeição tomou como base “conjeturas” que “não são suficientes para se provar a morte de quem quer que seja em um processo criminal”. “A questão é a seguinte: qual é a resposta jurídica para esse crime? Homicídio não é. Em todo o mundo considera-se como sequestro, como sobejamente demonstrado na denúncia”, indicam.

Millani levou em consideração a Lei 9.140, de 1995, que cria a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, e que reconhece, para fins civis e de modo coletivo, a morte de todas as vítimas da ditadura cujo destino permaneceu desconhecido até aquela data. Mas, para os procuradores, a legislação não produz efeito penal. 

Outro argumento sobre o qual pesam críticas é o de tomar como guia a decisão de 2010 do STF de rejeitar a possibilidade de punição penal de torturadores. Na ocasião, a maioria dos ministros avaliou que a Lei de Anistia, aprovada em 1979 pelo Congresso sob o regime autoritário, era válida para as violações de direitos humanos. 

Em dezembro daquele ano, porém, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil no caso da Guerrilha do Araguaia, exigindo do país a apuração e a punição dos envolvidos com a repressão. Para a entidade, que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA) e à qual o Estado brasileiro aceitou voluntariamente se subordinar, a Lei de Anistia não deve servir como empecilho para a sanção penal dos violadores. 

O juiz de São Paulo considera que caberia ao próprio STF rever sua decisão. Mas as procuradoras reiteram no recurso que a sentença da Corte, mais recente, é superior à tomada localmente, e deveria passar a balizar o trabalho dos juízes brasileiros. “Aluízio, se morto, é mais uma das vítimas do regime cujo destino dado ao corpo é incerto e não sabido. Que teve subtraído de seus familiares e amigos o direito a um enterro digno de seus restos mortais. Esta é a realidade. E não se pode abortar a persecução criminal lançando-se mão dessa odiosa presunção de morte”, acrescenta o Ministério Público.