‘Não basta ser honesto, tem de participar’, propõe ativista anticorrupção

Advogado do Piauí fala sobre a atuação da Força Tarefa Popular, que há 11 anos caminha pelo estado monitorando aplicação de verbas federais. Marcha terá sua 12ª edição em julho

O advogado Arimateia, durante entrevista a emissora de rádio do Piauí, na defesa da transparência do poder público (Foto: Fábio Brito/tvcanal13.com)

Brasília – Arimateia Dantas tem 50 anos. É advogado, já foi vereador no Piauí, onde vive, e veio a Brasília participar da Conferência Nacional de Transparência e Controle Social (Consocial), que conclui seus trabalhos hoje (20).

Nos pavilhões do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, onde ocorrem os debates, Arimateia distribui panfletos pedindo a instituição do Dia do Orgasmo. “É importante para a democracia”, argumenta. Mas sua presença entre os 1,5 mil delegados e observadores da Consocial não se deve à militância no terreno da sexualidade: o advogado é um dos criadores da Força Tarefa Popular, que botou o Piauí no mapa internacional da luta contra a corrupção.

No final dos anos 90, o Brasil soube da existência do coronel José Viriato Correia Lima, um policial militar reformado nascido no Ceará, mas que estabeleceu no estado vizinho um esquema de corrupção que desviou pelo menos 100 milhões de reais das prefeituras piauienses. Eram recursos repassados pelo governo federal para arcar com despesas municipais de saúde e educação, principalmente. A quadrilha do coronel arrebanhava políticos, policiais e prefeitos. Os governantes que não aceitavam suas ofertas eram ameaçados de morte. Alguns efetivamente acabaram executados.

Quando Correia Lima foi preso, em 1999, a Polícia Federal e o Ministério Público criaram uma força tarefa para desmembrar a oganização. Mas o alcance das autoridades era restrito. “Só o povo consegue estar ao mesmo tempo em todo lugar”, define Arimateia. Era o mote para a criação de outra força tarefa, a popular, que começou a articular entidades e cidadãos nos municípios piauienses para realizar ações concretas de combate à corrupção. “Começamos monitorando as prestações de contas das prefeituras junto ao Tribunal de Contas”, lembra.

Quando um prefeito estava em atraso ou simplesmente não esclarecia as despesas públicas, a Força Tarefa Popular pressionava o Ministério Público para que fizesse cumprir a lei. “Fazíamos isso através do que chamamos petições de cidadania ativa, encaminhando petições pelos Correios para todos os promotores, com Aviso de Recebimento, para que servisse de prova de que as autoridades tinha sido acionadas”, explica Arimateia. Inicialmente, a tática não deu muito resultado. Mas, como estavam de posse de documentos atestando a morosidade da promotoria, a Força Tarefa Popular procurou instâncias superiores e denunciou também o Ministério Público.

Caminhando e denunciando

Mas o grupo começou mesmo a chamar a atenção do Piauí quando decidiu pegar a estrada. Em 2001, cerca de 15 pessoas caminharam os 320 km entre as cidades de Picos e Teresina. Detinham-se em cada localidade, dando aulas públicas de cidadania, verificando projetos empacados na Câmara Municipal e visitando obras realizadas – ou que deveriam ter sido realizadas – com dinheiro federal. A experiência foi exitosa, e se repete todos os anos desde então. “Já andamos mais de 2,5 mil quilômetros e passamos por 40 municípios do estado”, conta Arimateia.

A Força Tarefa Popular, porém, não nasceu pronta e acabada. “Ao longo dos anos, fomos aperfeiçoando a marcha.” O lançamento do Portal da Transparência, que a Controladoria-Geral da União (CGU) mantém desde 2004 com todos os gastos do governo federal, tem sido uma importante ferramenta. “Antes de empreender caminhada, acessamos o site, pegamos uma lista das obras e discutimos com nossos parceiros em cada município para saber se a obra existe”, explica o advogado. Só então o grupo parte para a ação. “Se a obra foi feita, tudo bem. Se não, fotografamos, colhemos dados e fazemos denúncia. E assim vamos.”

Nessa toada, já foram mais de 50 denúncias. Algumas marcaram Arimateia, como quando a Força Tarefa Popular descobriu que, em Picos, a prefeitura não estava aplicando recursos federais repassados para a construção de poços artesianos na localidade de Mirolândia. As 30 famílias do local dependiam de caminhões pipa, sobretudo no verão. Reclamavam, mas ouviam sempre a mesma ladainha: não há verbas. Mas não era bem esse o problema. “A empresa que transportava água era ligada à família do prefeito”, expõe Arimateia. “Com o poço jorrando, o carro pipa acabaria.” A denúncia foi encaminhada ao Ministério Público e, em menos de dois meses, o poço foi inaugurado. “Hoje há água escorrendo em todas as casas, e tudo por conta de uma única informação.”

Em algumas situações, porém, nem é preciso recorrer à Justiça. “Você chegar para alguém que mora em rua de terra e mostrar a ele um documento dizendo que a via está asfaltada, com assinatura do prefeito, já basta. Não precisa de mais nada”, conta Arimateia, resgatando na memória o momento decisivo em que a indignação aflora no rosto das pessoas. “É a desconstituição da legitimidade do gestor público de uma forma não violenta, pacífica.” Depois que a informação chega e começa a circular, Arimateia diz que os prefeitos costumam realizar a obra imediatamente, “porque é melhor entregar logo e se ver livre dessa situação. Em cidade pequena, todo mundo se conhece.”

A Força Tarefa Popular já virou tese de pós-graduação na Universidade Federal do Piauí e foi reconhecida pela ONG Transparência Internacional, em 2006, como uma das três melhores experiências do mundo em controle social e combate à corrupção. Arimateia também já foi indicado para receber honrarias, como o Prêmio Integridade Internacional. Porém, expica que o grupo não está alheio a dificuldades. “O grande desafio é manter a indignação acesa”, admite. “E deixar em cada cidade um núcleo de pessoas que possa dar continuidade a essa luta.”

Por isso, além de propagar o exemplo da Força Tarefa Popular e fazer campanha pela instituição do Dia do Orgasmo, Arimateia está engajado numa cruzada contra as pessoas que chama de “honestas” – aquelas que se negam a tomar partido em causas sociais. “Os honestos não se arriscam, não estão determinados a ter um país decente, não correm risco. A grande maioria trabalha, paga impostos e fica com a consciência tranquila”, categoriza. “Inquietar a consciência dos honestos tem sido agora meu grande objetivo.” Para isso, elaborou até um slogan: “Não basta ser honesto, tem de participar.” É seu primeiro mandamento para uma sociedade mais justa – e sem corrupção.

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