Ícone da ditadura, antiga sede do DOI-Codi em São Paulo poderá ser tombada

Condephaat aprovou estudo relativo ao prédio situado na Vila Mariana

São Paulo – O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), ligada à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, votou nesta semana, por unanimidade, pela abertura de Estudo de Tombamento do edifício que hoje abriga a 36ª Delegacia de Polícia, na rua Tutoia, na Vila Mariana. Durante a ditadura, o local era sede de um dos mais temidos órgãos da repressão: o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna), do II Exército. O pedido, protocolado há pouco mais de dois anos, foi encaminhado pelo presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ivan Seixas, e apoiado por outras entidades.

“Que fique claro, assim, que este estudo de tombamento, se aqui aprovado, versa sobre um ‘lugar’ definido de forma ampla e intensa, ou seja, um lugar histórico definido pelo vazio e pela aniquilação, o que implica lidar com a memória da dor e com a memória difícil, dentro dos esforços democráticos do nosso país”, afirma em seu parecer, aprovado pelo Condephaat, a professora Cristina Meneguello, do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ela, todo o conselho – integrado por pessoas de diferentes formações – “ficou extremamente sensível” com o caso.

“Era muito necessário que esse tipo de lugar fosse entendido como patrimônio”, observa a historiadora, citando o caso do campo de concentração de Auschwitz, tombado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e considerado patrimônio da humanidade. Tombamento não é apenas para lugares esteticamente bonitos, lembra Cristina.

Ela também recorda em especial da Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), na Argentina, um tristemente famoso centro de tortura, que se tornou o Museu da Memória, e do Museu da Memória e dos Direitos Humanos, em Santiago do Chile. Há o próprio caso da antiga sede do Dops, na região central de São Paulo, que se tornou o Memorial da Resistência.Por sinal, texto publicado no site do Memorial lembra os vários nomes pelos quais era conhecido o prédio da rua Tutoia: “Casa da vovó”, “Hotel Tutoia”, “Inferno” e “Hospital”.

“Dentro das proporções que lhes cabem, tanto no caso da Esma, do Dops ou do museu chileno, assim como em tantos outros memorais destinados a lembrar a barbárie, impera a necessidade de revisitar o passado, devolver dignidade às vítimas e às suas famílias e, por meio de ações educativas, estimular a reflexão para que fatos como estes não mais se repitam.”

“Sempre acreditei que precisávamos tombar aquele espaço, porque era significativo pela lembrança e para que as novas gerações pudessem conhecer um pedaço da história”, acrescenta Ronaldo Bianchi, ex-secretário-adjunto de Cultura do estado, atual vice-presidente da TV Cultura e um dos autores do pedido. Ele defende a necessidade de se criar “um espaço de liberdades individuais, de aceitar a diversidade”, que também faça lembrar de um “momento histórico de intolerância, por um grupo que usurpou o poder”.

Cristina lembra que o prédio da rua Tutoia está completamente descaracterizado e pouco mantém de suas características originais. Mas observa que o interesse é histórico e não arquitetônico. Ainda está lá o pátio, “que apavorava todo mundo”. Ali foi morto, em 1975, o jornalista Vladimir Herzog, entre tantas vítimas do arbítrio e da violência do Estado. “Toda essa discussão é uma ferida aberta”, afirma Cristina. “Quem estuda História tem um dever de memória pelos que se foram.”

 

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