Catadores da Granja Julieta ganham novo galpão, mas com velhos problemas

Quase três anos e meio após incêndio, central de triagem foi transferida mais uma vez, agora para galpão pequeno e impróprio para a atividade, e catadores aguardam solução da prefeitura de SP

“Viemos pra cá por pura pressão da prefeitura de São Paulo”, diz Mara Santos, presidenta da Cooperativa de Catadores Granja Julieta

São Paulo – A Cooperativa de Catadores Granja Julieta ainda não tem teto definido. Há duas semanas, foi transferida para um novo estabelecimento no Largo Treze, na zona sul de São Paulo, mas, segundo os catadores, o lugar é impróprio para que funcione a central de triagem, onde os materiais recicláveis dos resíduos sólidos são separados. Os trabalhadores afirmam que a prefeitura lhes trata com descaso e ofereceu um espaço “desumano” para abrigar o material recebido. 

A viagem sem rumo da cooperativa, contudo, começou em dezembro de 2008, quando foi transferida para um espaço provisório após um incêndio no edifício original, na Granja Julieta, no qual ela operava – a causa do fogo ainda é desconhecida. À cooperativa, que abriga atualmente 60 catadores, foi garantido pela prefeitura de São Paulo um terreno no bairro de Santo Amaro,há seis anos, mas a construção ainda não começou, e um empreendimento imobiliário, ao lado, parece flertar com a área.

“O lugar é inadequado para nós, trabalhadores da coleta seletiva de São Paulo", disse Mara Santos, presidente da Cooperativa Granja Julieta.

“É galpão novo e problema velho”, diz Mara Santos, presidenta da Cooperativa dos Catadores Granja Julieta. Ela afirma que a prefeitura alugou o atual galpão, localizado na rua Nossa Senhora do Socorro, no bairro do Socorro, sem consultar os catadores. “O lugar é inadequado para nós.” Não há espaço para armazenar os resíduos recebidos para triagem nem os equipamentos necessários. Tampouco há refeitório e banheiros em número suficiente. A transferência se deu porque moradores dos arredores da rua Carmo do Rio Verde, em Santo Amaro, pediram a saída da cooperativa, o que se somou às reivindicações dos próprios catadores. Por ser pequena, também esta área era imprópria para a atividade. “Reivindicamos um galpão em condições dignas de trabalho porque onde estávamos era descoberto e tínhamos os mesmo problemas que neste novo, mas aqui é pior”, explica Mara.

Quando os catadores tomaram conhecimento do novo local que lhes fora concedido, recusaram-se a sair do endereço antigo. Diante da recusa, segundo Mara, a EcoUrbis, concessionária responsável pela coleta de lixo nas zonas sul e leste de São Paulo, deixou de lhes entregar os materiais para a triagem durante um mês. Na administração paulistana dos resíduos sólidos, as centrais de triagem são geridas por cooperativas de catadores, que não são pagas pela prefeitura e obtêm renda com a comercialização dos materiais reciclados. Sem acesso aos resíduos, o sustento dos catadores foi cortado. “Viemos pra cá por pura pressão da prefeitura”, conta a presidenta da cooperativa. 

No galpão para o qual a cooperativa foi transferida, banheiro e cozinha ocupam o mesmo espaço.

A entrega dos resíduos já foi retomada, mas um dos catadores, Edson da Silva, decidiu permanecer no endereço de Santo Amaro. Ele não pode mais trabalhar por padecer de problemas de saúde causados por não contar com a ajuda das máquinas necessárias para a atividade. Silva, que costumava ter de carregar, junto com um ou dois colegas, sacos de resíduos de 300 quilos, diz, categórico: “Só saio daqui morto”. No espaço antigo, havia quartos nos quais os trabalhadores, sem habitação, podiam morar. No atual, não há – se Silva sair, não terá onde dormir.

O galpão anterior, a exemplo do atual, tinha problemas estruturais. Foi o lugar que recebeu a cooperativa depois do incêndio no final de 2008. O espaço original, na avenida Professor Alceu Maynard Araújo, na Granja Julieta, era ideal para o funcionamento da central, segundo a cooperativa. A ativista social Joelma do Couto, envolvida com o grupo desde 2008, considera que a presença dos catadores no bairro nobre é indesejável para a administração de Gilberto Kassab (PSD), que teria o entendimento de que os moradores da Granja Julieta tampouco querem que a cooperativa opere ali. Joelma discorda. “Os bairros têm de se responsabilizar pelos resíduos que produzem, a Granja Julieta também, e muitos moradores sabem disso e querem a cooperativa trabalhando ali”, diz.

“Até dois meses atrás, o lugar estava com metros de entulhos para impedir que a cooperativa o ocupasse, mas tampouco tinha qualquer utilidade”, conta a ativista social Joelma dos Santos.

Para Joelma, a cooperativa é impedida de estar naquele endereço por conta de interesses imobiliários no bairro, que nos últimos anos tem atraído construtoras. Até esse momento, passados quase três anos e meio, a cooperativa ainda não teve acesso ao laudo do incêndio. Os catadores acreditam que sua origem é criminosa. Eles contam que à meia-noite, no início de uma madrugada, um pequeno grupo de pessoas passou pelo galpão da cooperativa e ateou fogo nas instalações. Depois da saída da cooperativa, foi implantado ao lado da instalação um EcoPonto, que abriga seletivamente resíduos levados voluntariamente por pessoas. “Por que não podemos ter uma cooperativa de catadores aqui e podemos ter um EcoPonto?”, questionou. O local que sofreu o incêndio está começando a passar por limpeza. “Até dois meses atrás, o lugar estava com metros de entulhos para impedir que a cooperativa o ocupasse, mas tampouco tinha qualquer utilidade”, comenta. 

A prefeitura afirma que o local fará parte de um projeto de criação de novas creches na cidade. Em nota, a Secretaria Municipal de Serviços informou que a Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb) havia alocado provisoriamente os catadores até a construção de uma nova central. “A Amlurb já providenciou um novo galpão que atende as permissões de uso do solo, compatível com a atividade de triagem de recicláveis, proporcionando melhores condições de trabalho e a cooperativa já foi realocada nesta nova central, no início do mês de abril”, diz o comunicado.

Após o incêndio, o prefeito Gilberto Kassab prometeu um terreno na rua Benedito Fernandes, próxima à estação Socorro da CPTM, para erguer um complexo para a cooperativa. No ano passado, a construção de uma instalação no local foi incluída no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Todavia, até o momento, as obras não começaram. Segundo a cooperativa, o processo está parado no Departamento de Edificações da administração municipal. Um empreendimento imobiliário, de conjuntos comerciais, está sendo construído ao lado do local. Na semana passada, o terreno foi cercado com grades verdes e teve seus muros pintados da mesma cor. “A informação que obtive é que a empreiteira que está construindo esse prédio gradeou o terreno, com a autorização da Limpurb, responsável pelo terreno, porque o lugar estava muito feio e atrapalhava as vendas”, afirma Joelma.

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